8 de junho de 2020

O conceito de cultura

O conceito de cultura 

No vocábulo inglês CULTURE, que "tomado em seu amplo sentido etnográfico é este todo complexo que inclui conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, costumes ou qualquer outra capacidade ou hábitos adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade."
O conceito de Cultura, pelo menos como utilizado atualmente, foi, portanto definido pela primeira vez por Edward Tylor (1832-1917). O seu pensamento pode ser melhor compreendido a partir da leitura deste seu trecho: Por um lado, a uniformidade que tão largamente permeia entre as civilizações pode ser atribuída, em grande parte, a uma uniformidade de ação de causas uniformes, enquanto, por outro lado, seus vários graus podem ser considerados como estágios de desenvolvimento ou evolução.

 Para entender Tylor, é necessário compreender a época em que viveu e consequentemente o seu background intelectual. O seu livro foi produzido nos anos em que a Europa sofria o impacto da Origem das Espécies, de Charles Darwin e que a nascente antropologia foi dominada pela estreita perspectiva do evolucionismo. 

Por outro lado temos Alfred Kroeber (1876-1960), antropólogo americano mostrou como a cultura atua sobre o homem, ao mesmo tempo em que se preocupou com a discussão de uma série de pontos controvertidos, pois suas explicações contrariam um conjunto de crenças populares.

 Kroeber procurou mostrar que, superando o orgânico, o homem de certa forma libertou-se da natureza. Tal fato possibilitou a expansão da espécie por todos os recantos da Terra. Nenhum outro animal tem toda a Terra como seu habitat, apenas o homem conseguiu esta proeza: 

De fato, o que faz o habitante humano de latitudes inclementes, não é desenvolver um sistema digestivo peculiar, nem tampouco adquirir pêlo. Ele muda o seu ambiente e pode assim conservar inalterado o seu corpo original. Constrói uma casa fechada, que protege contra o vento e lhe permite conservar o calor do corpo. Faz uma fogueira ou acende uma lâmpada. Esfola uma foca extraindo-lhe a pele com que a seleção natural, ou outros processos de evolução orgânica, dotou esses animais; sua mulher faz-lhe uma camisa e calças, sapatos e luvas, ou duas peças de cada um; ele as usa, e dentro de alguns anos, ou dias, está provido de proteção que o urso polar e a lebre ártica, a zibenila e o tetraz, levam longos períodos a adquirir. Demais, o seu filho e o filho do seu filho, e seu centésimo descendente nascerão tão nus e fisicamente tão desarmados como ele e o seu centésimo ancestral. 

Enquanto o urso polar não pode mudar de seu ambiente, pois não suportaria um grande aumento de temperatura, um esquimó pode transferir-se de sua região gelada para um país tropical e em pouco tempo estaria adaptado ao mesmo, bastando apenas trocar o seu equipamento cultural pelo desenvolvido no novo habitat. Ao invés de um iglu capaz de conservar as menores parcelas de claro preferiria, então, ocupar um apartamento refrigerado, ao mesmo tempo em que trocaria suas pesadas vestimentas por roupas muito leves ou quase inexistentes. 


Resumindo, a contribuição de Kroeber para a ampliação do conceito de cultura pode ser relacionada nos seguintes pontos:

 • 1. A cultura, mais do que a herança, determina o comportamento do homem e justifica as suas realizações.

 • 2. O homem age de acordo com seus padrões culturais. Os seus instintos foram parcialmente anulados pelo longo processo evolutivo porque passou.

 • 3. A cultura é o meio de adaptação aos diferentes ambientes ecológicos. Em vez de modificar para isto o seu aparato biológico, o homem modifica o seu "superorgânico".

 • 4. Em decorrência da afirmação anterior, o homem foi capaz de romper as barreiras das diferenças ambientais e transformar toda a terra em seu hábitat. 

• 5. Adquirindo cultura, o homem passou a depender muito mais do aprendizado do que agir através de atitudes geneticamente determinadas. 

• 6. Como já era do conhecimento da humanidade, desde o Iluminismo,( Os pensadores que defendiam estes ideais acreditavam que o pensamento racional deveria ser levado adiante substituído as crenças religiosas e o misticismo que segundo eles bloqueavam a evolução do homem - Séc XVII) é este processo de aprendizagem (socialização e endoculturação - endoculturação é o processo permanente de aprendizagem de uma cultura que se inicia com a assimilação de valores e experiências a partir do nascimento de um indivíduo e que se completa com a morte - não importa o termo) que determina o seu comportamento e a sua capacidade artística ou profissional. 

• 7. A cultura é um processo acumulativo, resultante de toda a experiência histórica das gerações anteriores. Este processo limita ou estimula a ação criativa do indivíduo.

 • 8. Os gênios são indivíduos altamente inteligentes que têm a oportunidade de utilizar o conhecimento existente ao seu dispor, construído pelos participantes vivos e mortos de seu sistema cultural, e criar um ovo objeto ou uma nova técnica. Nesta classificação podem ser incluídos os indivíduos que fizeram as primeiras invenções, tais como o primeiro homem que fabricou a primeira máquina capaz de ampliar a força muscular, o arco e a flecha. São eles gênios da mesma grandeza de Santos Dumont e Einstein. Sem as suas primeiras invenções ou descobertas, hoje consideradas modestas, não teriam ocorrido as demais. E pior do que isto, talvez nem mesmo a espécie humana teria chegado ao que é hoje. 

Texto extraído do livro: Cultura. Um conceito antropológico - Roque de Barros Laraia / Rio de Janeiro / Zahar Editor / 19ª edição

1 de junho de 2020

EM ESTADO DE CONFERÊNCIA NACIONAL DE CULTURA

EM ESTADO DE CONFERÊNCIA NACIONAL DE CULTURA
Por Fabiano Piúba*

Tenho dito que estamos em estado de conferência nacional de cultura. Um estado de espírito, um estado de ânima e um estado político de encontro e movimento.

Num contexto de isolamento social, nem nós esperávamos por isso. Emergiu de uma mobilização emergencial em torno de um projeto de lei de iniciativa das formidáveis Benedita da Silva e Jandira Feghali e foi ganhando corpo sensível e político com força e ternura, reacendendo um tanto de encantamento pela cultura e um caldo de resistência por meio da arte. A arte é o que resiste, já pensou Deleuze. Assim, assado, estamos também em estado de resistência. A cultura está viva. A Lei de Emergência Cultural Aldir Blanc é fruto de uma construção social e autoria coletiva.

Gosto de pensar a cultura como saber/fazer comum, portanto, a cultura como solidariedade e elemento (água, terra, fogo e ar) de transformação de vidas e transgressão de realidades.

O que estou querendo dizer é que este estado de conferência nacional de cultura é um ato político solidário para com o Brasil. Cabe a nós manter essa chama acessa como uma chamada que vai além do emergencial, pois a execução desta lei é estratégica para as políticas culturais. Ela exige de nós um plano de gestão nos estados e municípios numa ação integrada com os conselhos estaduais e municipais de cultura, com os fóruns de linguagens artísticas e dos segmentos culturais, com as redes do Cultura Viva e Pontos de Cultura e com os coletivos espalhados pelo país.

Estamos diante de uma oportunidade real de desenvolver o Sistema Nacional de Cultura e a ideia de um MinC Popular parece ser potente. Com a sua extinção, o MinC somos nós. Não podemos fazer feio e tampouco falhar. Temos que ser exemplares na execução, nos resultados e impactos da aplicação da lei nos estados e municípios como uma ação primordial dos artistas, agentes e espaços culturais existentes e resistentes no Brasil.

A cultura – como traduziu tão lindamente Alexandre Santini ao celebrar a Lei Aldir Blanc – é a esperança equilibrista. E equilíbrio é a força que age entre duas ou mais coisas ou pessoas. A cultura é no mínimo dois, nos lembrou Gilberto Gil. E assim de novo estamos conjugando no plural. Com força e ternura, como recorda Célio Turino. Pois bem, as tecelãs estão na teia, o baião tá pisando o barro do chão, o samba tá trovejando, o toré tá chamando a força, a capoeira tá na roda e a ciranda tá girando. E pra dançar ciranda – na voz de trovão de Lia de Itamaracá – juntamos mão com mão.

Noutras palavras, ninguém solta a mão de ninguém. A democracia está sob ataque e a cultura tem um papel central para seu exercício pleno e para soberania nacional. Não podemos nos distrair nem desmobilizar nosso estado de espírito político de conferência nacional de cultura. Tolo de quem pensa que só estamos lutando por uma lei emergencial. Em nós ecoa os Doces Bárbaros: com amor nos corações preparamos a invasão (da cultura) cheio de felicidades, entrando em nossas cidades amadas, pois nossos planos são muitos bons!

Fabiano dos Santos Piúba
Secretário de Cultura do Estado do Ceará