28 de novembro de 2023

Vamos falar sobre acessibilidade para pessoas com deficiência na cultura?

 

 

Nem sempre notamos no nosso dia-a-dia, mas o número de pessoas com algum tipo de deficiência e que precisam de apoio de tecnologia assistida (cadeiras de rodas, órteses, próteses, fraldas para incontinência urinária, rampas, piso tátil, softwares etc.) é impressionante.

 

No mundo, a Organização das Nações Unidas estima que 2,5 bilhões de pessoas precisam de algum suporte - número que deve chegar a 3,5 bilhões de pessoas em 2050. No Brasil, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística calcula que são 18,6 milhões de pessoas com deficiência de 2 anos ou mais - 8,9% da população - e que, por isso, têm menor acesso à educação, ao trabalho e à renda.

 

Quando avaliamos esses dados, é fundamental reconhecer que a acessibilidade é um pilar para a construção de uma sociedade inclusiva e diversa. E esse desafio vem sendo colocado de forma clara ao setor cultural, com destaque às regras da Lei Paulo Gustavo (art. 15 da LCP nº 195/2022, que obriga o investimento mínimo de 10% do projeto em acessibilidade) e do decreto que regulamenta a Política Nacional Aldir Blanc (Decreto nº 11.740/2023, que define obrigação de acessibilidade desde os editais até a realização dos projetos).

 

Mas o que é a tal acessibilidade cultural? É um conjunto de medidas para a eliminação de barreiras e promoção da participação plena das pessoas com deficiência nas políticas, programas, projetos e ações culturais, garantindo à pessoa com deficiência ou com mobilidade reduzida viver de forma independente e exercer seus direitos culturais.

 

Os seguintes tipos de deficiência são identificados:

 

·         Física: alteração (completa ou parcial) de um ou mais segmentos do corpo

·         Auditiva: perda da audição de forma bilateral, parcial ou total, em diferentes graus e profundidade.

·         Visual: comprometimento parcial ou total da visão - cegueira, baixa visão ou visão monocular.

·         Intelectual: alterações significativas relacionadas a déficit – tanto no desenvolvimento intelectual quanto na conduta adaptativa e na forma de expressar habilidades práticas, sociais e conceituais.

·         Transtorno do Espectro Autista (TEA): Transtorno do neurodesenvolvimento que pode levar a comprometimentos em diferentes intensidades (classificadas hoje em níveis de suporte) na comunicação e interação social, podendo apresentar interesses restritos, comportamentos repetitivos, hipersensibilidade a estímulos externos, dentre outras características relacionadas ao TEA.

·         Psicossocial: comprometimento da funcionalidade a longo prazo causado por um transtorno mental grave e permanente.

 

Para projetos culturais, são identificados três tipos de recursos que podem ser utilizados para garantir a acessibilidade:

 

·         Arquitetônica: aqueles que visam diminuir ou reduzir as barreiras arquitetônicas nos espaços que limitam, reduzem ou impedem o exercício pleno dos direitos das pessoas com deficiência e mobilidade reduzida, como rampas, corrimãos, vagas de estacionamento exclusivas etc.

·         Comunicacional: uso de Libras, sistema Braille, pdf acessível etc. (ao final desse texto, apresentamos três tipos específicos de ações que podem ser realizadas em vídeos)

·         Atitudinal: medidas voltadas para a redução e eliminação das barreiras existentes e de atitudes capacitistas, viabilizando a compreensão da acessibilidade cultural, como a capacitação de equipes, contratação de profissionais com deficiência etc.

 

E você sabe o que é capacitismo? É o nome que se dá ao preconceito e à discriminação de pessoas com deficiência. É uma discriminação tão estrutural quanto o racismo, o machismo e a LGBTfobia e, assim como todo preconceito, é crime e deve ser combatido.

 

Temos que evitar alguns comportamentos, que muitas vezes realizamos sem nem refletir, pois faz parte desse processo estrutural que vivemos - e hoje buscamos descontruir:

 

·         Infantilização: utilizar diminutivo, mudar a voz, falar com um adulto como se estivesse falando com uma criança.

·         Vitimismo ou Assistencialismo: deduzir que a pessoa é incapaz, que necessariamente precisa de ajuda e tom de voz de penalização.

·         Inspiration Porn: utilizar o discurso de superação ou inspiração. Um exemplo, um herói ou heroína, guerreiro ou guerreira. (entenda mais sobre esse curioso termo)

·         CripFace: usar uma pessoa sem deficiência para representar um personagem com deficiência. (saiba mais nesse material do TRE-CE)

·         Ridicularização da deficiência: fazer algum tipo de humor ou piada com a deficiência de uma pessoa.

 

Inclusão e acessibilidade em histórias e vídeos

 

Agentes culturais que trabalham com narrativas visuais (como apresentações teatrais e, principalmente, vídeos) têm algumas iniciativas importantes que podem apoiar o combate ao capacitismo - e garantir os 10% mínimos de aplicação em projetos da Lei Paulo Gustavo, por exemplo.

 

·         Protagonismo: colocar a pessoa com deficiência em posição importante para a história, não necessariamente por causa da deficiência.

·         Autonomia: retratar as pessoas com deficiência com poder de decisão e escolha.

·         Independência: retratar pessoas com deficiência realizando atividades cotidianas, como todo mundo, sem ajuda de terceiros.

·         Legitimidade: usar pessoas com deficiência para representar personagens com deficiência em situações realistas.

 

A acessibilidade comunicacional possui três pilares básicos: audiodescrição, tradução para a Língua Brasileira de Sinais (Libras) e legendas. Esses são recursos que se complementam e é de extrema importância que sejam considerados desde a concepção da ideia do conteúdo.

 

Audiodescrição

O que é: Tradução em palavras de todos os conteúdos visuais (fotos, ilustrações, gráficos, pessoas, cenários etc.) - pode ser utilizado em formato de texto (em e-mails, redes sociais, sites, documentos) ou em áudio (em filmes, eventos, reuniões e palestras).

Para quem se destina: Pessoas com deficiência visual, embora outras pessoas também possam se beneficiar.

Aplicação: Todo conteúdo visual, inclusive a aparência dos participantes de uma reunião ou evento, precisa ser descrito.

Processo: o audiodescritor, em conjunto com uma pessoa revisora cega, constrói o roteiro. Em conteúdos pré-gravados o roteiro é gravado por um locutor, sincronizado e adicionado ao conteúdo original.

 

Libras

O que é: A Libras é a Língua Brasileira de Sinais, uma língua visual. O processo de interpretação/tradução em língua de sinais é a atividade de versar um texto ou discurso oral de uma língua para a outra, de maneira instantânea (simultânea, intermitente ou consecutiva). Esse recurso é feito com a presença de intérpretes de Libras.

Para quem se destina: Para todas as pessoas com conhecimento em Libras, em especial pessoas surdas e sinalizantes. Também tem colaborado para o desenvolvimento de comunicação para pessoas com autismo, afasia, entre outras pessoas com deficiências.

Aplicação: Se aplica a todo conteúdo sonoro.

Processo: Em conteúdos pré-gravados ou textos, o conteúdo precisa de uma análise linguística e passa por uma gravação. Após isso, é inserido de forma sincronizada no conteúdo original. Em eventos ao vivo, a interpretação é feita simultaneamente e pode ser transmitida. Em todo processo com duração mínima de 1 hora, é obrigatório o revezamento dos profissionais intérpretes a cada 15 minutos, com o objetivo de garantir a qualidade da interpretação e as melhores condições de trabalho para os profissionais. Sempre que possível, disponibilizar o conteúdo com antecedência para os profissionais poderem estudar, traduzir e pesquisar a linguística.

 

Legendas

O que é: Transcrição de tudo que é sonoro para uma alternativa em texto – ou seja, todas as informações relevantes serão traduzidas para a língua portuguesa escrita.

Para quem se destina: Pode ser complementar ao intérprete de Libras ou utilizado por pessoas com deficiência auditiva que não usam Libras. Além disso, é um recurso que pode ser utilizado por todos.

Aplicação: Se aplica a todos os vídeos que tenham conteúdo sonoro.

Processo:

. Legendagem: envolve as etapas de transcrição e tradução (quando envolver um idioma estrangeiro). Essas etapas são realizadas por profissional especializado, adequando o texto ao padrão de fonte, número de caracteres e contraste. A última etapa é a de revisão das legendas.

. Estenotipia (ao vivo): para legendas em tempo real é necessário um profissional especializado (estenotipista) e aparelho de estenotipia. Essas legendas são projetadas ao vivo, simultaneamente com o conteúdo original.

Sempre que possível, disponibilizar o conteúdo com antecedência para os profissionais poderem estudar, traduzir e pesquisar a linguística.


Levando em consideração os recursos e o processo de produção apresentados, é

importante quebrar a barreira de que eles "atrapalham" um produto audiovisual. Se forem pensados de forma conjunta, eles podem fazer parte do conteúdo e levar inclusive elementos de marca – como tom de voz, identidade visual, vocabulário e posicionamento.


Alguns pontos que merecem atenção na hora de construir um conteúdo audiovisual acessível são:

 

·         Quantidade e velocidade da fala: é preciso tomar cuidado com roteiros com muitas falas ou pessoas que falam muito rápido, pois isso influencia na velocidade da tradução para Libras e nos espaços de silêncio para a inserção da audiodescrição.

·         Enquadramento da cena: considerar que o canto inferior direito não pode conter informações visuais importantes, pois será onde o intérprete de Libras será posicionado. Lembrar que todos os elementos visuais deverão ser descritos, portanto quanto mais complexa a composição do cenário, maior será a audiodescrição.

·         Trilha sonora/Locução: podem interferir na audiodescrição.

·         Animações e Motion: devem ser descritos, então considerar isso no roteiro e no espaço de silêncio para a inserção da audiodescrição.

 

Esse texto é resultado de pesquisa do Instituto Tijuipe e não se reconhece nem como completo nem como definitivo. Por meio dele, buscamos, principalmente, apoiar agentes culturais na elaboração de seus projetos para os editais da Paulo Gustavo Itacaré.

 

Por ser uma temática recente, a todo momento são desenvolvidos novos conceitos, identificadas novas problemáticas e elaboradas novas soluções. Toda crítica e sugestão é bem vinda! Basta comentar aqui na página que, caso necessário, vamos evoluir o conteúdo desse material ou até produzir novos conteúdos sobre o tema.

 

Fonte:  https://institutotijuipe.wixsite.com/institutotijuipe

 

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