Nem sempre notamos no nosso dia-a-dia, mas o número
de pessoas com algum tipo de deficiência e que precisam de apoio de tecnologia
assistida (cadeiras de rodas, órteses, próteses, fraldas para incontinência
urinária, rampas, piso tátil, softwares etc.) é impressionante.
No mundo, a Organização das Nações Unidas estima que 2,5 bilhões de pessoas
precisam de algum suporte -
número que deve chegar a 3,5 bilhões de pessoas em 2050. No Brasil, o Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística calcula que são 18,6 milhões de pessoas com
deficiência de 2 anos ou mais -
8,9% da população - e que, por isso, têm menor acesso à educação, ao trabalho e
à renda.
Quando avaliamos esses dados, é fundamental
reconhecer que a acessibilidade é um pilar para a construção de uma sociedade
inclusiva e diversa. E esse desafio vem sendo colocado de forma clara ao setor
cultural, com destaque às regras da Lei Paulo Gustavo (art. 15 da LCP nº 195/2022, que obriga o investimento mínimo de
10% do projeto em acessibilidade) e do decreto que regulamenta a Política
Nacional Aldir Blanc (Decreto nº 11.740/2023, que define obrigação de acessibilidade
desde os editais até a realização dos projetos).
Mas o que é a tal acessibilidade cultural? É um
conjunto de medidas para a eliminação de barreiras e promoção da participação
plena das pessoas com deficiência nas políticas, programas, projetos e ações culturais,
garantindo à pessoa com deficiência ou com mobilidade reduzida viver de forma
independente e exercer seus direitos culturais.
Os seguintes tipos de deficiência são
identificados:
·
Física: alteração (completa ou parcial) de
um ou mais segmentos do corpo
·
Auditiva: perda da audição de forma
bilateral, parcial ou total, em diferentes graus e profundidade.
·
Visual: comprometimento parcial ou total da
visão - cegueira, baixa visão ou visão monocular.
·
Intelectual: alterações significativas
relacionadas a déficit – tanto no desenvolvimento intelectual quanto na conduta
adaptativa e na forma de expressar habilidades práticas, sociais e conceituais.
·
Transtorno
do Espectro Autista (TEA): Transtorno do neurodesenvolvimento que pode levar a comprometimentos
em diferentes intensidades (classificadas hoje em níveis de suporte) na
comunicação e interação social, podendo apresentar interesses restritos,
comportamentos repetitivos, hipersensibilidade a estímulos externos, dentre
outras características relacionadas ao TEA.
·
Psicossocial: comprometimento da funcionalidade a
longo prazo causado por um transtorno mental grave e permanente.
Para projetos culturais, são identificados três
tipos de recursos que podem ser utilizados para garantir a acessibilidade:
·
Arquitetônica: aqueles que visam diminuir ou reduzir as barreiras arquitetônicas nos
espaços que limitam, reduzem ou impedem o exercício pleno dos direitos das
pessoas com deficiência e mobilidade reduzida, como rampas, corrimãos, vagas de
estacionamento exclusivas etc.
·
Comunicacional: uso de Libras, sistema Braille, pdf acessível etc. (ao final desse
texto, apresentamos três tipos específicos de ações que podem ser realizadas em
vídeos)
·
Atitudinal: medidas voltadas para a redução e eliminação das barreiras existentes
e de atitudes capacitistas, viabilizando a compreensão da
acessibilidade cultural, como a capacitação de equipes, contratação de
profissionais com deficiência etc.
E você sabe o que é capacitismo? É o nome que se dá
ao preconceito e à discriminação de pessoas com deficiência. É uma
discriminação tão estrutural quanto o racismo, o machismo e a LGBTfobia e,
assim como todo preconceito, é crime e deve ser combatido.
Temos que evitar alguns comportamentos, que muitas
vezes realizamos sem nem refletir, pois faz parte desse processo estrutural que
vivemos - e hoje buscamos descontruir:
·
Infantilização: utilizar diminutivo, mudar a voz,
falar com um adulto como se estivesse falando com uma criança.
·
Vitimismo
ou Assistencialismo: deduzir que a pessoa é incapaz, que necessariamente precisa de ajuda e
tom de voz de penalização.
·
Inspiration
Porn: utilizar o
discurso de superação ou inspiração. Um exemplo, um herói ou heroína, guerreiro
ou guerreira. (entenda mais sobre esse curioso termo)
·
CripFace: usar uma pessoa sem deficiência
para representar um personagem com deficiência. (saiba mais nesse material do TRE-CE)
·
Ridicularização
da deficiência: fazer algum tipo de humor ou piada com a deficiência de uma pessoa.
Inclusão e acessibilidade em histórias e vídeos
Agentes culturais que trabalham com narrativas
visuais (como apresentações teatrais e, principalmente, vídeos) têm algumas
iniciativas importantes que podem apoiar o combate ao capacitismo - e garantir
os 10% mínimos de aplicação em projetos da Lei Paulo Gustavo, por exemplo.
·
Protagonismo: colocar a pessoa com deficiência em
posição importante para a história, não necessariamente por causa da deficiência.
·
Autonomia: retratar as pessoas com deficiência
com poder de decisão e escolha.
·
Independência: retratar pessoas com deficiência
realizando atividades cotidianas, como todo mundo, sem ajuda de terceiros.
·
Legitimidade: usar pessoas com deficiência para
representar personagens com deficiência em situações realistas.
A acessibilidade comunicacional possui três pilares
básicos: audiodescrição, tradução para a Língua Brasileira de Sinais (Libras) e
legendas. Esses são recursos que se complementam e é de extrema importância que
sejam considerados desde a concepção da ideia do conteúdo.
Audiodescrição
O que é: Tradução em palavras de todos os
conteúdos visuais (fotos, ilustrações, gráficos, pessoas, cenários etc.) - pode
ser utilizado em formato de texto (em e-mails, redes sociais, sites,
documentos) ou em áudio (em filmes, eventos, reuniões e palestras).
Para quem se destina: Pessoas com deficiência visual,
embora outras pessoas também possam se beneficiar.
Aplicação: Todo conteúdo visual, inclusive a aparência
dos participantes de uma reunião ou evento, precisa ser descrito.
Processo: o audiodescritor, em conjunto com uma
pessoa revisora cega, constrói o roteiro. Em conteúdos pré-gravados o roteiro é
gravado por um locutor, sincronizado e adicionado ao conteúdo original.
Libras
O que é: A Libras é a Língua Brasileira de
Sinais, uma língua visual. O processo de interpretação/tradução em língua de
sinais é a atividade de versar um texto ou discurso oral de uma língua para a
outra, de maneira instantânea (simultânea, intermitente ou consecutiva). Esse
recurso é feito com a presença de intérpretes de Libras.
Para quem se destina: Para todas as pessoas com
conhecimento em Libras, em especial pessoas surdas e sinalizantes. Também tem
colaborado para o desenvolvimento de comunicação para pessoas com autismo,
afasia, entre outras pessoas com deficiências.
Aplicação: Se aplica a todo conteúdo sonoro.
Processo: Em conteúdos pré-gravados ou textos,
o conteúdo precisa de uma análise linguística e passa por uma gravação. Após
isso, é inserido de forma sincronizada no conteúdo original. Em eventos ao
vivo, a interpretação é feita simultaneamente e pode ser transmitida. Em todo
processo com duração mínima de 1 hora, é obrigatório o revezamento dos
profissionais intérpretes a cada 15 minutos, com o objetivo de garantir a
qualidade da interpretação e as melhores condições de trabalho para os
profissionais. Sempre que possível, disponibilizar o conteúdo com antecedência
para os profissionais poderem estudar, traduzir e pesquisar a linguística.
Legendas
O que é: Transcrição de tudo que é sonoro para
uma alternativa em texto – ou seja, todas as informações relevantes serão
traduzidas para a língua portuguesa escrita.
Para quem se destina: Pode ser complementar ao intérprete
de Libras ou utilizado por pessoas com deficiência auditiva que não usam
Libras. Além disso, é um recurso que pode ser utilizado por todos.
Aplicação: Se aplica a todos os vídeos que
tenham conteúdo sonoro.
Processo:
. Legendagem: envolve as etapas de
transcrição e tradução (quando envolver um idioma estrangeiro). Essas etapas
são realizadas por profissional especializado, adequando o texto ao padrão de
fonte, número de caracteres e contraste. A última etapa é a de revisão das
legendas.
. Estenotipia (ao vivo): para legendas
em tempo real é necessário um profissional especializado (estenotipista) e
aparelho de estenotipia. Essas legendas são projetadas ao vivo, simultaneamente
com o conteúdo original.
Sempre que possível, disponibilizar o
conteúdo com antecedência para os profissionais poderem estudar, traduzir e
pesquisar a linguística.
Levando em consideração os recursos e o processo de produção apresentados, é
importante quebrar a barreira de que eles
"atrapalham" um produto audiovisual. Se forem pensados de forma
conjunta, eles podem fazer parte do conteúdo e levar inclusive elementos de
marca – como tom de voz, identidade visual, vocabulário e posicionamento.
Alguns pontos que merecem atenção na hora de construir um conteúdo audiovisual
acessível são:
·
Quantidade
e velocidade da fala: é preciso tomar cuidado com roteiros com muitas falas ou pessoas que
falam muito rápido, pois isso influencia na velocidade da tradução para Libras
e nos espaços de silêncio para a inserção da audiodescrição.
·
Enquadramento
da cena: considerar que o
canto inferior direito não pode conter informações visuais importantes, pois
será onde o intérprete de Libras será posicionado. Lembrar que todos os
elementos visuais deverão ser descritos, portanto quanto mais complexa a
composição do cenário, maior será a audiodescrição.
·
Trilha
sonora/Locução: podem interferir na audiodescrição.
·
Animações
e Motion: devem ser
descritos, então considerar isso no roteiro e no espaço de silêncio para a
inserção da audiodescrição.
Esse texto é resultado de pesquisa do Instituto
Tijuipe e não se reconhece nem como completo nem como definitivo. Por meio
dele, buscamos, principalmente, apoiar agentes culturais na elaboração de seus
projetos para os editais da Paulo Gustavo Itacaré.
Por ser uma temática recente, a todo momento são
desenvolvidos novos conceitos, identificadas novas problemáticas e elaboradas
novas soluções. Toda crítica e sugestão é bem vinda! Basta comentar aqui
na página que, caso necessário, vamos evoluir o conteúdo desse material ou até
produzir novos conteúdos sobre o tema.
Fonte: https://institutotijuipe.wixsite.com/institutotijuipe
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