14 de janeiro de 2010

Com culpa no cartório, empresários da comunicação atacam o Programa Nacional dos Direitos Humanos

LAURINDO LALO LEAL FILHO


É só se falar em algum tipo de ação da sociedade para evitar os abusos freqüentemente cometidos pelos meios de comunicação que os seus controladores, imediatamente, pulam. Os gritos mais recentes são contra a proposta de criação de uma comissão governamental para acompanhar a produção das empresas do setor e estabelecer um ranking dos veículos “comprometidos com os direitos humanos”, contida no Programa Nacional dos Direitos Humanos lançado no final do ano pelo governo.

Em nota oficial as entidades empresariais de comunicação bateram no velho tecla da “ameaça à liberdade de expressão”. São capazes de afirmar que os direitos humanos “estão acima de qualquer questionamento” para, em seguida, negar a possibilidade de um acompanhamento público do respeito que eles dizem dedicar a esses direitos. Ora, se são tão respeitosos com os direitos humanos, como afirmam, porque temem que a sociedade, através do governo, comprove na prática esse comportamento.

Parte da resposta está em diversos programas veiculados diariamente por grande parte das emissoras de rádio e televisão do Brasil, violadores contumazes dos direitos humanos. É a prova definitiva do cinismo com que são escritas essas notas oficiais assinadas pelas entidades patronais.

Veja uma das frases do documento empresarial: “A defesa e valorização dos direitos humanos são parte essencial da democracia, nos termos da Constituição e de toda a legislação brasileira, e contam com nosso total compromisso e respaldo”.

E agora compare esse texto com o relato de dois telespectadores, a respeito de um tipo de programa, chamado policialesco, que prolifera em nosso pais.

O primeiro de Salvador:

“Há cenas de pessoas mortas ou agonizando, ao vivo, com tiros recebidos na cabeça. Há casos de travestis quase nus se agredindo ou pessoas se agredindo com paus, pedras ou socos durante as reportagens”.

Outro de Porto Alegre:

“Aqui no Rio Grande do Sul temos um exemplar desse tipo de programa também. É apresentado por um sujeito bizarro que dá chineladas em uma mesa. Ele acompanha as ações policiais, e dão a ele o direito de humilhar e zombar das pessoas que são alvo de ações policiais”.

Mas há mais elementos concretos para tornar a nota oficial dos empresários uma peça de ficção. Basta ver como são tratados os negros nas telenovelas, os homossexuais nos programas de auditório e os pobres nos espetáculos policialescos acima mencionados.

Para quem ainda não teve o desprazer de ver esse tipo de programa basta entrar na internet e no YouTube e clicar, por exemplo, em títulos como “Se Liga Bocão”, da TV Itapoã ou “Na Mira”, da TV Aratu, ambas de Salvador. Ou ainda “Bronca Pesada” e “Papeiro da Cinderela”, da TV Jornal do Recife. Ou em muitos outros.

É esse desrespeito embrutecedor da sociedade brasileira que o Programa Nacional de Direitos Humanos quer coibir. E tal proposta não saiu da cabeça iluminada de qualquer ministro para ser imposta à sociedade. Ela é resultado de um longo período de acúmulo de conhecimento e de maturação política. Basta lembrar que a 7a. Conferência Nacional dos Direitos Humanos, realizada em 2002, já apontava a TV como um elemento violador desses direitos. Nasceu ai a campanha “Quem financia a baixaria é contra a cidadania”, até hoje em atividade, apontando periodicamente os programas que, segundo o público, mais violam os direitos humanos.

Cabe ressaltar a preocupação que o Ministério Público tem tido com a questão. Acionado por entidades da sociedade civil o MP moveu ação contra o programa do João Kleber, de caráter claramente homofóbico, e conseguiu decisão judicial suspendendo-o por um mês.

E no Recife, vale a pena reproduzir alguns trechos da Ação Civil
Pública assinada pelos promotores de Justiça Jecqueline Elihimas e
José Edivaldo da Silva sobre os programas pernambucanos acima citados. Dizem eles, em resumo:

"O que se enxerga nos programas, que passam ao largo de uma legítima expressão artística, é apenas um enfoque bizarro tanto de situações do cotidiano ou dos próprios seres humanos, ali escolhidos para servirem de troça aos telespectadores. Sob o manto dissimulado da comédia, o que na verdade se vê é a execração pública das pessoas humildes, de suas vidas
privadas, de seu sofrimento e dramas pessoais. Dessa forma, tornam a
realidade cruel, injusta, sofrida ou violenta de uma população já
excluída, um motivo de zombaria para os que a assistem. O que se vê é
uma postura constante de veiculação e propagação de idéias
prec onceituosas, discriminatórias e homofóbicas e que atentam
claramente contra princípios constitucionais, em especial à dignidade
humana".

São afirmações que só confirmam a pertinência e a aplicação urgente do 3º Plano Nacional de Direitos Humanos, ainda que o empresariado que opera concessões públicas de rádio e TV grite e esperneie.

Nenhum comentário: