por Joãozinho Ribeiro
O modelo de financiamento da cultura no Brasil, nos últimos tempos, tem sido objeto de vários debates públicos, promovidos tanto por iniciativa de órgãos governamentais quanto por instituições privadas, entidades profissionais e, recentemente, chancelado por importante evento promovido pela Folha de São Paulo para discutir mudanças na Lei Rouanet (Lei Federal de Incentivos à Cultura).Muitos pesquisadores têm se debruçado sobre a matéria, muitas teses de doutoramento e dissertações de mestrado em muitos renomados centros acadêmicos do país vem se multiplicando, principalmente pela posição estratégica e central que a cultura, em suas múltiplas dimensões, passou a ocupar na agenda nacional e internacional, através de tratados, convenções e acordos celebrados mundialmente (TRIPs, Agenda 21 da Cultura para as Cidades, Fórum Cultural Mundial, Convenção da Diversidade, Conferência Nacional de Cultura etc.).
Apesar de toda reconhecida grandeza da nossa produção cultural, a ausência de marcos regulatórios transparentes e democráticos neste setor, tanto reivindicados para outras áreas da economia do país, se constitui atualmente em verdadeiro gargalo, que no mínimo merece ser discutido, com certo distanciamento de algumas engessadas posições de segmentos artísticos e empresariais que não querem abrir mão de privilégios e do acesso a verbas públicas que sempre foram objeto de uma espécie de monopólio privado.
Não se trata aqui de bloquear o debate ou de conduzi-lo em cima de questões que pretendem se colocar acima do bem e do mal, como é a questão do "dirigismo", seja ele estatal ou privado. A questão maior que se coloca é que cultura também é direito; direito humano, direito fundamental, assim reconhecido pelas inúmeras declarações da ONU, incorporadas ao texto da Constituição da República Federativa do Brasil, que em seus fundamentos, enumerados no art. 3º, claramente dispõe:
Art. 3º. Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
Sobre esse prisma, o modelo híbrido de financiamento federal da cultura em nosso país, calcado na renúncia fiscal e na disposição de fundos públicos, infelizmente tem contribuído, de forma contundente, para o aprofundamento das desigualdades regionais, afrontando um dos objetivos fundamentais da República.
Dados do próprio Ministério da Cultura explicitam esta situação de forma irrefutável, que pode perfeitamente ser aferida pelo seguinte quadro demonstrativo:
O Ministro Juca Ferreira resolveu colocar o dedo na ferida e discutir de forma democrática e descentralizada a questão, que a bem da verdade já vinha sendo objeto de visíveis descontentamentos há muito tempo em todo território nacional, constituindo-se em um dos temas mais debatidos na I Conferência Nacional de Cultura, realizada em dezembro de 2005. Em 2007 e 2008 continuou sendo ponto de pauta preferencial nas reuniões do Fórum Nacional de Secretários e Dirigentes Estaduais de Cultura, em vários seminários, fóruns e audiências públicas promovidas por respeitáveis instituições da sociedade civil.
O que nos causa um certo desconforto, em relação aos pontos de vista expostos durante o debate realizado pela Folha de São Paulo, são posições corporativistas e descoladas da realidade cultural do país, como a do produtor paulista Paulo Pélico (Apetesp), assim publicada pela edição do dia 04 de abril do corrente do citado matutino: "Não podemos demonizar o incentivo fiscal porque o bumba-meu-boi está sem apoio", ao rebater uma afirmação do Ministro Juca Ferreira analisando que, nos moldes atuais, a Lei Rouanet concentra recursos em projetos do Sudeste e em artistas consagrados.
O Ministro Juca foi categórico e objetivo em sua resposta, conforme divulgou A Folha: "[Citar dessa forma o] Bumba-meu-boi é uma discussão pejorativa. Vocês vão acabar atraindo a antipatia do Brasil para São Paulo. Quem tem acesso [à lei] evidentemente não quer perdê-lo. Não quer ter critério público. Não quer critério nenhum.
Qualquer brasileiro tem direito de acesso à cultura. Todos os brasileiros, inclusive os do Piauí".
Ponto para o enfoque do Ministro Juca Ferreira, não só por defender uma das maiores expressões culturais do Brasil e do Maranhão - o Bumba-meu-boi - como por invocar a dimensão cidadã da Cultura - a dimensão da Cultura enquanto direito, humano e fundamental.
Atualmente, a minuta do projeto que prevê alterações na Lei Rouanet encontra-se sob consulta pública, abrigada no site do Ministério da Cultura (até o dia 06/05/2009). Após este período, será encaminhada pelo presidente da República para o Congresso Nacional, onde esperamos que a nossa bancada federal e os senadores que representam o Maranhão estejam atentos para não deixar passar esta preciosa oportunidade de corrigir tão importante ferramenta legislativa, capaz de propiciar a redução das desigualdades sociais e regionais do nosso país.
Nenhum comentário:
Postar um comentário