14 de outubro de 2010

Artido do prof. Gilson Gomes - UFRN - IFRN

Prezados amigos:


Desculpem-me pela intromissão, por estar enviando uma mensagem dessa natureza, mas acho importante esclarecer algumas coisas que talvez não sejam do conhecimento da maioria.

Há algumas semanas, recebi um e-mail de uma amiga, uma senhora católica bastante engajada nas atividades da Igreja, referindo-se a uma eventual posição da CNBB contra a candidatura de Dilma Roussef, em virtude de posições que ela (Dilma) teria em contrário aos ensinamentos da própria Igreja. Resolvi, na época, fazer um levantamento da veracidade dessa informação – pois na internet circula muito boato – e encontrei apenas um artigo publicado por um bispo em uma seção existente na página da CNBB onde as autoridades eclesiásticas fazem divulgação das suas idéias. Tal documento, porém, não parecia encontrar eco nos demais documentos da Conferência dos Bispos. Para estas eleições, a CNBB até editou uma cartilha que diz, entre outras coisas, que devemos "ter presentes o CHÃO em que pisamos e o HORIZONTE que nossa vista alcança. O primeiro nos dá o senso do real e evita que tropecemos já nos primeiros passos; mas é o segundo que aponta para onde levam os caminhos".(...)

"Saber olhar para o chão sem perder a visão do horizonte, é o grande desafio do atual momento político-eleitoral. Se ficarmos presos ao chão, cairemos nas escolhas tipo plebiscitário, de tipo Estado mínimo X desenvolvimentista, a favor ou contra a descriminalização do aborto, ou outras polarizações de cunho imediatista. Se, ao contrário, somente olharmos o que se desenha no horizonte, descuidaremos do processo político-eleitoral porque nenhuma candidatura será capaz de solucionar aquelas grandes questões.

Olhar para o chão e para o horizonte significa, em termos práticos, posicionar-se criticamente diante da realidade cotidiana e buscar os meios que mais favoreçam a construção de um mundo justo, pacífico e ecologicamente equilibrado. Daí a importância da escolha não só do presidente mas de parlamentares com critérios éticos para a elaboração de leis justas. Só assim, haverá uma unidade maior de critérios como possibilidade de real governabilidade em bases éticas."

Com todo o respeito ao autor, o bispo de Guarulhos, Dom Bergonzini, informo que a CNBB retirou do ar o seu artigo, e isso não seria feito se ele expressasse o pensamento da entidade. Lamentavelmente, o referido bispo, em atitude que demonstra falta de unidade com seus pares, teima em manter o texto no site de sua Diocese e em divulgar
> sua visão, no mínimo, digamos, radical. Mas vejam o anexo “CNBB condena boicote a Dilma”, que reforça o que afirmo, e mais um que mostra, em debate recentemente realizado na CNBB, a posição pessoal da candidata do PT contra o aborto. Respondi, na ocasião, àquela amiga colocando esse ponto e mais alguns que repasso agora a vocês.

No último sábado, quando se completaram cinco anos da morte da minha mãe, fui à missa no Cemitério Morada da Paz, que costumeiramente já inclui nas intenções os falecidos cujo aniversário de nascimento ou de morte tenha transcorrido naquela semana. Ao final da missa, um dos fiéis presentes pediu para ler uma orientação sobre as eleições, mas o que houve foi a divulgação, em momento deveras inoportuno (ao final de uma missa de finados), de um manifesto, eu diria raivoso, supostamente escrito (pelo menos é o que foi na hora alegado) por um religioso ligado à rede Canção Nova, de orientação carismática, em que sobejavam acusações ao atual governo no que diz respeito, novamente, ao aborto, ao casamento entre pessoas de mesmo sexo e ao divórcio. Inclusive condenando ao Inferno – vejam só! – quem votasse em candidatos que apoiassem tais idéias, mas nas entrelinhas era Dilma o alvo desse documento. Não sabia que alguém nesta Terra podia antecipadamente condenar uma pessoa às penas eternas.


Provavelmente, o referido texto, lido talvez em muitas comunidades católicas no Brasil nas vésperas das eleições, e infelizmente não refletido aprofundadamente, pode ter contribuído para a mudança de posição de muitos fiéis em relação ao pleito que ocorreu ontem. Ou seja, um certo fundamentalismo religioso fez o que a mídia não conseguiu fazer com sua enxurrada de denúncias. Eu não ficaria preocupado com essa atitude, se fosse verdadeira (aliás, ficaria até feliz), e se ela não trouxesse a possibilidade de um retorno – que considero indesejável – a uma situação que vivemos anos atrás, e que passo a relatar.


Para nossa sorte, vivemos - já faz alguns anos - em um regime democrático. Com muitos defeitos, sim, mas democrático. A Revolução Militar nos roubou anos de amadurecimento político, e por isso ainda estamos aprendendo.

Neste regime democrático, a aprovação de uma lei que venha a descriminalizar a prática do aborto, para além daquelas possibilidades já permitidas, precisa de discussão exaustiva nas nossas casas congressuais. Portanto, não é o desejo de um presidente que poderá modificar a legislação sobre um tema como esse que causa tanta polêmica em nossa sociedade. Ou seja, não é a eleição da Sra. Dilma que vai nos tornar mais um país onde a prática do aborto é livre, nem é a eleição de qualquer outro candidato que impedirá que isso aconteça.

Daí a grande responsabilidade em acompanharmos as atividades dos senadores e deputados federais - eles é que terão a possibilidade de modificar as normas jurídicas e constitucionais deste país. Podem, até mesmo, revogar um veto do próprio presidente e desaprovar medidas provisórias baixadas pelo poder executivo.


Portanto, é lá no Congresso que deve estar o nosso foco de atenção quanto a isso. Dessa forma, sinto-me, ainda que católico praticante, livre para não seguir a orientação de sua eminência Dom Bergonzini, até porque essa posição (não votar em Dilma) não é uma posição prioritária da Igreja, tanto que ele assina como ele próprio e não como entidade, no caso, a CNBB.


Por outro lado, como funcionário público federal, devidamente concursado, de dois órgãos subordinados ao Ministério da Educação, tive oportunidade de participar da direção de um deles - o CEFET, atual Instituto Federal (IF) - quando, no governo FHC (do qual fez parte o Ministro Serra, hoje candidato), o MEC era dirigido pelo Sr. Paulo Renato. Esse ministro tratou à míngua as nossas instituições de educação mais importantes - o então CEFET e a UFRN.

Pela primeira vez na história, uma instituição centenária como a nossa teve o desprazer de ter telefones e energia elétrica cortados por falta de pagamento, mas não pagávamos porque no orçamento não verba não havia suficiente para isso. Eu era gerente de uma área de ensino com 1200 alunos e mais de 100 professores, e não tinha recursos na minha gerência para comprar um cartucho de tinta para uma impressora, e muitas vezes tive de tirar dinheiro do próprio bolso para essa e outras necessidades, de forma a não deixar de atender aos alunos e a seus pais. Houve uma forte intenção de "quebrar" o CEFET para depois privatizá-lo. Graças a Deus e aos esforços dos que nele trabalham, isso não ocorreu.

Com o atual governo, ao contrário, não só tivemos mais facilidades de manutenção, como pudemos ainda expandir o Instituto para muitas cidades do interior - Apodi, Pau dos Ferros, João Câmara, Santa Cruz, Caicó, Ipanguaçu, Currais Novos, e agora Parnamirim, São Gonçalo e Nova Cruz, além de melhorar as nossas unidades já existentes em Natal e em Mossoró - e abrir mais duas escolas em Natal, uma na Zona Norte e outra na Av. Rio Branco. Muito dinheiro foi investido em construções, equipamentos e na contratação, por concurso, de dezenas de
> professores. Com isso, um número ainda maior de jovens (e de adultos também) passou a ser atendido pelo nosso IF.

Por essas razões, gostaria de não ver essa escola a quem já dediquei 30 anos de minha vida profissional, escola que goza o respeito de todo o nosso RN, ficar refém mais uma vez da política de "terra arrasada” do Sr. Paulo Renato (que foi Secretário de Educação do governo José Serra em São Paulo e, ao que tudo indica, poderá voltar ao MEC em caso de vitória “tucana” – e se não for ele será outro com igual pensamento). Sou, então, impelido a votar na continuidade da política educacional do atual governo federal – embora a grande imprensa nacional faça a ele e à sua candidata uma campanha acirrada e desleal procurando desmoralizá-los impiedosamente (e nesse ponto os boatos na internet têm colaborado com as piores e impublicáveis baixarias. E por isso votarei novamente – como fiz no primeiro turno – em Dilma para presidente.


Sou católico, como disse acima, e ministro da eucaristia (função que cumpro sem nenhum orgulho e com a convicção de que nem a mereço, mas o sou por atendimento ao chamado da minha paróquia), e longe de mim defender crime tão grave quanto o aborto, mas tenho um fé suficiente madura para me dar absoluta convicção de que não irei para o Inferno por esse voto.

E, afinal, infelizmente nenhum candidato é santo, sabemos disso. Se pudéssemos impedir certas candidaturas, seria bom, mas para isso é necessária uma reforma política, e isso é com os deputados e senadores, mais uma vez. E acho que eles não querem essa reforma porque poderão perder a chance de se manter, eles mesmos, por tantos anos no congresso.


Respeitosa e democraticamente, acato a posição contrária de qualquer pessoa, porque cada um tem seus próprios motivos para escolher em quem votar. Mas faço esse esclarecimento porque acho que é preciso pensar no perigo que correm as nossas Instituições Educacionais (não só o IF, mas também a Universidade Federal, outra vítima dos anos de governo do PSDB) e todos os jovens que dela dependem. Resumindo com uma frase que não é minha, mas que eu gostaria de ter escrito: Dilma não chega a ser a candidata dos meus sonhos, mas Serra é hoje o candidato dos meus maiores pesadelos.


Recebam o meu cordial e fraterno abraço.

Gilson Gomes de Medeiros

Professor - IFRN e UFRN

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