17 de março de 2011

O papel do Estado na complexa dinâmica cultural brasileira

O papel do Estado na complexa dinâmica cultural brasileira
ILANA FELIX

Dentre tantos papéis do Estado na dinâmica cultural brasileira, acredito que o mais complexo é identificar quais são os grupos culturais realmente representativos. Isso porque, representativo é aquele que tem maior número de apreciadores? Ou é o que tem grande número de participantes? Ou ainda, é aquele que tem mais simbologia histórica e tradição? Não, ao contrário, representativo é o que tem de mais atual e tecnológico? Como se define o que é mais representativo? Qual a metodologia? Pra mim, a questão do ser mais representativo, neste curso de Gestão e Política Cultural, ainda não está acomodada na prateleira das coisas resolvidas. Dizer que a boa política pública é a que apóia os grupos mais representativos é fácil, defini-los é a prosopopéia.

A experiência que tive trabalhando seis anos numa fundação de cultural em Natal me mostrou várias distorções nesse sentido. Exemplo: a mobilização de pessoas ligadas a escolas de sambas e quadrilhas juninas é muito intensa, a maior de todas, mas se resume a pleitear auxílios financeiros que eles insistem em dizer que não sabem prestar contas. Por mais que se exija através de edital e oferecendo oficinas de capacitação, só é conveniente receber o recurso e voltar no ano seguinte novamente.

Esses grupos reúnem muitas pessoas. No caso das quadrilhas, por exemplo, se cada uma tem um mínimo de 70 participantes e a cidade tem pelo menos 80, são aí 5600 participantes envolvidos. Um número significativo que fica muito acima de outros segmentos como o de teatro, de dança ou música erudita. E então, por causa da quantidade, merecem investimentos financeiros tão proporcionais quanto o seu número de agentes?

Agora, vejamos o lado oposto. Existem grupos de cultura popular, às vezes, com apenas 30 ou 40 componentes que são completamente desarticulados entre si. Nunca constituíram associações, federações, como os primeiro citados, e tão pouco sabem pressionar o poder público como aqueles. São grupos de pessoas com baixíssima escolaridade que dificilmente vão conseguir elaborar um projeto ou ser contemplado por um edital público. Estes, mesmo tendo imensurável valor etnográfico e histórico, não conseguem se mobilizar. Não conseguem ser representados nas instituições de poder.

E, o fim dessa história todo mundo conhece. Muito distante de ser “representativo” ou não, o Poder Público notoriamente beneficia mais os grupos articulados politicamente. É fato.

Devido à infinda diversidade cultural brasileira, incentivar com “justiça” os grupos mais representativos é algo muito difícil. Além do que as manifestações têm inúmeras necessidades, algumas de espaços para se apresentar, outras de formação de platéia, outras de capacitação profissional e, por fim, há algumas que precisam de tudo isso e algo mais. Um quebra-cabeça quase impossível de montar, que exige do gestor cultural habilidade política, um conhecimento multidisciplinar extenso que vai de antropologia a finanças públicas, além de muita sensibilidade à diversidade cultural.

O Plano Nacional de Cultura, aprovado em dezembro passado, e redigido com a participação da comunidade artístico-cultural, veio ajudar sobremaneira nessa questão de nortear os gestores públicos. No entanto, ainda é do conhecimento de poucos, um percentual insignificante dos que movimentam a cultura no país. O Plano é um texto tão extenso quanto complexo que, para surtir efeito, precisa primeiramente melhorar muito o diálogo e a interação entre as três esferas do poder público e os movimentos culturais, e é para isso que estabelece ferramentas como as conferências, os conselhos paritários, os planos de cultura.

Após ser regulamentado, ao Estado caberá fiscalizar o bom funcionamento dessas ferramentas e o cumprimento das metas e objetivos que foram muito bem detalhados no PNC, mas que vale ressaltar, não são estanques, são mutantes e vivos, como a cultura.
Fonte: ilanafelix.blogspot.com

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