31 de julho de 2011

O sonho Avoante



por Edmilson Souza




A construção de equipamentos públicos de cultura tem sido objeto de reivindicação de ativistas e militantes culturais espalhados pelo Brasil. Esta luta tem encontrado eco em administrações populares, mas a realidade brasileira ainda é marcada pela inexistência de teatros e bibliotecas públicas na maioria das cidades.



Não são raros os casos onde a cultura ainda não é vista como elemento fundamental da cidadania plena, e a construção de espaços públicos de cultura ainda é vista como gasto desnecessário. Mesmo tendo consciência de que é dever do poder público o investimento em cultura, muitos brasileiros têm atuado para garantir o acesso à cultura, ainda que seja utilizando recursos próprios.

Em Currais Novos, no Estado do Rio Grande do Norte, temos um exemplo de que a vontade militante pode fazer e está fazendo a diferença. A cultura tem pressa e não pode esperar a boa vontade de governantes descompromissados. Nesta cidade o sonho de um teatro começou a ser gestado por João Antônio, um abnegado militante da cultura. Ele também não tinha tempo para esperar e resolveu começar a construção por conta própria. Nos anos 90 comprou um terreno e deu início ao sonho e às obras. Este sonhador poderia utilizar o seu modesto salário de funcionário público para melhorar a sua condição de vida, mas o verdadeiro artista estava preocupado demais com a transformação de vidas através da arte e gastou o pouco que tinha na construção do Teatro Avoante. E ele viu tijolo por tijolo, parede por parede o seu sonho ganhar forma. Quem vê aquele homem franzino e com dificuldade no andar, devido a problemas de saúde, não imagina que nele reside uma generosidade comum a um povo que tem como marca superar barreiras e desafios, muitas vezes tornando-se avoante para se desviar das dificuldades.

A participação e a solidariedade dos militantes da cultura está tornando possível a realização do que foi desejado, imaginado e planejado. No início, apenas na cabeça de João, mas depois se tornou sonho, projeto e esperança de militantes da cultura de Currais Novos. Ao visitar o local no início do mês, pude sentir exatamente o que é o significado da palavra militância cultural: ao ver João no meio da platéia ainda sem cadeiras, falando de forma pausada sobre tudo o que ele pensa para aquele lugar. Foi impossível não me emocionar. Tive a certeza de que mais do que um prédio, ali está sendo construída a possibilidade de se continuar sonhando.

A construção do teatro não conta com nenhum apoio financeiro ou material do poder público. Tudo o que foi construído até agora veio dos próprios recursos de João Antonio e de amigos que acreditam no sonho de ter o Avoante funcionando em breve.

O Teatro do Espaço Avoante é um sonho antigo de João Antonio, um militante da cultura daquela cidade, que nos últimos anos tem dedicado a sua vida a construção deste que será um importante espaço destinado à cultura e à cidadania, que servirá não somente a cidade onde ele está sendo construído, mas também como uma referência para as cidades do entorno.

Nos últimos meses os amigos do Espaço Avoante iniciaram uma campanha de doação de cadeiras para utilização na platéia do teatro, e você também pode participar deste projeto fazendo sua doação através da página www.culturaavoante.blogspot.com.
A experiência de Currais Novos deve servir como exemplo para todos aqueles que acreditam que, através da cultura, podemos transformar realidades e superar obstáculos na construção de uma sociedade onde continue sendo possível sonhar coletivamente.

*Edmilson Souza - vereador na cidade de Guarulhos (SP) e Secretário Nacional de Cultura do PT

10 de julho de 2011

Ordem do Mérito Cultural 2011



Ordem do Mérito Cultural 2011
Minc já está recebendo inscrições dos indicados ao prêmio deste ano

A escritora e jornalista brasileira Patrícia Rehder Galvão, conhecida pelo codinome Pagu é a homenageada deste ano da Ordem do Mérito Cultural 2011, a maior condecoração do Governo Federal a personalidades, grupos artísticos e instituições que tenham se destacado no cenário nacional pelas suas contribuições à Cultura brasileira. O prazo para as inscrições dos indicados ao prêmio foi aberto no último dia 21 pelo Ministério da Cultura tendo como tema central Pagu- Sonho-Luta-Paixão em homenagem a escritora, grande destaque no movimento modernista iniciado em 1922 e cujo centenário de nascimento foi comemorado no ano passado.

O prazo final para os registros das candidaturas termina dia 22 de julho e as indicações podem ser feitas por quaisquer pessoas. Os indicados serão avaliados pela Comissão Técnica do Prêmio, constituída por gestores das Secretarias do Ministério da Cultura, que emitirá parecer conclusivo antes de encaminhá-lo à consideração do Conselho da Ordem do Mérito Cultural. O Conselho é formahttp://www.blogger.com/img/blank.gifdo pela ministra da Cultura, que o preside na qualidade de Chanceler, e pelos ministros de Estado das Relações Exteriores, da Educação e da Ciência e Tecnologia.

As condecorações aos premiados com a Ordem do Mérito Cultural serão entregues, este ano, durante cerimônia, que será realizada no dia 9 de novembro, no Theatro Santa Izabel na cidade de Recife (PE). Desde sua criação, em 1945, até hoje, já foram entregues mais de 430 condecorações a personalidades nacionais e estrangeiras.
Inscrições aqui

Miguel Nicolelis sobre o Cérebro e Deus

Miguel Nicolelis na FLIP

4 de julho de 2011

Sobre o conceito de cultura

Sobre o conceito de cultura
Por Idelber Avelar
“Cultura” é daquelas palavras escorregadias, aparentemente simples, que com frequência são usadas com usadas com sentidos não só diferentes, mas antagônicos. Mais produtivo que estabelecer qual é a definição “correta” de cultura seria observar quais os sentidos adquiridos pela palavra ao longo do tempo e o que eles nos dizem sobre os seus referentes no mundo real. É o que tento fazer na coluna deste mês.

Palavras-Chave, do marxista britânico Raymond Williams, obra publicada no Brasil pela Boitempo, é um ótimo guia do assunto. “Cultura” vem do verbo latino colere, que combinava vários sentidos: cultivar, habitar, cultuar, cuidar, tratar bem, prosperar. Do sentido de habitar derivou colonus. Têm, portanto, origens comuns as ideias de colonização, culto e cultura. Já em Cícero (106 a.C. – 43 a.C.) aparece osentido de cultura como “cultivo da alma”, mas é mesmo a partir do Renascimento que se consolida a analogia entre o cultivo natural e um desenvolvimento humano. É nesse sentido que Thomas More, Francis Bacon ou Thomas Hobbes, nos séculos XVI ou XVII, falam de “cultura da mente” ou “cultura do entendimento”. É uma metáfora derivada da analogia com o sentido material, agrícola do termo.

A naturalização dessa metáfora fez com que se cristalizasse o sentido de cultivo humano, e nos séculos XVIII e XIX o termo “cultura” começa a aparecer como autossuficiente, dissociado do objeto desse cultivo. Até o século XVIII, tratava-se sempre da cultura de alguma coisa, fossem plantações, animais ou mentes. A partir daí, segundo Willliams, “o processo geral de desenvolvimento intelectual, espiritual e estético foi aplicado e, na prática, transferido para as obras e práticas que o representam e sustentam”. Em outras palavras, firma-se ali o sentido de “cultura” como um bem que alguns possuem e outros não. Esse sentido permanece conosco, quando dizemos que alguém é “culto” ou “tem cultura”. É uma acepção excludente da palavra, que com frequência ganha contornos, inclusive, aristocráticos.

Com a antropologia, no final do século XIX e, especialmente, no século XX, volta-se às raízes materiais do conceito de cultura, mas agora com ênfase na sua universalidade humana. “Cultura” passa a ser entendida como o conjunto de valores, crenças, costumes, artefatos e comportamentos com os quais os seres humanos interpretam, participam e transformam o mundo em que vivem. Nenhuma comunidade humana está excluída dela, embora, também com a antropologia, solidifique-se o processo que faz de “cultura” um adjetivo passível de ser usado no plural. As culturas humanas são múltiplas, diferentes, irredutíveis entre si e, acima de tudo, não são hierarquizáveis. Na acepção antropológica do termo, não há sentido em se falar de mais ou menos cultura, ou de culturas superiores ou inferiores a outras. Há uma veia radicalmente relativista na concepção antropológica de cultura, que se realiza em sua plenitude na obra de Franz Boas, mestre de Gilberto Freyre.

Nos debates sobre política cultural, é sempre instrutivo observar com qual sentido cada interlocutor usa o vocábulo “cultura”. Do ponto de vista antropológico, não teria sentido dizer, por exemplo, “levar culturapara o povo”, posto que qualquer povo está inserido em sua cultura—ele não seria povo sem ela. Mas é frequente que assim se designe a função dos Ministérios ou das Secretarias da cultura. Tampouco teria sentido, exceto na acepção excludente e aristocratizante apontada acima, falar de “produtores de cultura” como uma classe aparte, diferente daqueles que seriam seus meros consumidores. Mas não é incomum, em discussões sobre política cultural, a desqualificação de interlocutores como sujeitos que supostamente estariam “fora” da cultura ou que não seriam “da área” da cultura. Ora, não há seres humanos vivendo em sociedade que estejam fora da cultura.

O uso excludente do termo se reproduz quando se igualam os “produtores de cultura” à chamada “classe artística”. Essa é a sinédoque—redução do todo a uma de suas partes—que me parece mais daninha nas discussões sobre política cultural. A cultura é a totalidade das formas em que um povo produz e reproduz suas relações com os sentidos do mundo. Reduzi-la às indústrias cinematográfica, teatral e fonográfica é reeditar a exclusão segundo a qual alguns produzem cultura e outros a consomem. Implicitamente, é ignorar e desprezar o fazer cotidiano de milhões de brasileiros. Não há por que um pequeno conjunto de profissionais das citadas indústrias, concentrados principalmente em duas cidades brasileiras, se apresentarem como os representantes da área de responsabilidade do Ministério da Cultura. Essa redução atende a interesses nada republicanos e é incompatível com uma concepção democrática de cultura.

Um Estado que tivesse democratizado completamente sua concepção de cultura seria então, no limite, um Estado em que cineastas, atores e compositores não fossem percebidos como sujeitos da culturamais que pedreiros, domésticas ou camponeses. Seria um Estado em que a conversa jamais incluísse expressões como “pessoas que não são da área da cultura”. Seria um Estado onde a ideia de “levarcultura ao povo” não fizesse sentido. Seria um Estado que soubesse encontrar, valorizar e construir pontes entre os muitos fazeres culturais que já estão acontecendo em seu território. Seria um Estado onde fosse impensável que um agente do poder público se apresentasse como representante dos “criadores de cultura”, a não ser que com essa expressão o agente se referisse à totalidade dos que vivem sob a égide desse Estado. Seria um Estado que genuinamente captasse a cultura como a totalidade dos sentidos do fazer humano.

Mais que nomes, cargos, tendências, correntes e conchavos, os acalorados debates em torno do Ministério da Cultura que têm tido lugar no Brasil nos últimos meses são uma oportunidade para que se repense essa questão de fundo: qual é a compreensão de cultura que queremos, quais são as visões e conceitos de cultura que fazem justiça à nossa experiência como povo.

Este artigo é parte integrante da edição 99 da Revista Fórum.
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MinC NE põe o pé na estrada em construção coletiva de proposta para circulação musical na Região

Reuniões acontecem em oito estados nordestinos para elaboração final do edital de circulação



A Representação Regional Nordeste do Ministério da Cultura – RRNE/MinC, está em ‘despacho especial itinerante’ e na tarde da sexta-feira (01/07), aportou em Natal para se reunir com membros da cadeia produtiva da música do Estado, o encontro aconteceu no prédio histórico do Instituto Federal do Rio Grande do Norte - IFRN, na Cidade Alta. Com um esboço de edital de circulação musical para a Região, Fábio Lima, chefe da RRNE/MinC, busca apoio e sugestões para viabilizar a proposta de um edital de grande porte que fará circular a produção musical nordestina, com realização prevista para o final do primeiro semestre de 2012. Para tanto, Reinaldo Freire, o Naldinho, músico e representante para o Nordeste da Fundação Nacional de Arte – FUNARTE, endossa a ideia e acompanha Fábio nessa construção conjunta com a cadeia produtiva da música nos oito estados representados pela Regional. O edital pretende ser diversificado e contemplar o rico mosaico cultural de ritmos e estilos do Nordeste, colocando artistas de estados diferentes no mesmo palco, numa integração entre público e cidades gerando oportunidades de negócios.

Segundo Fábio, a política existente de editais está funcionando a contento, atendendo a demanda de produção. Porém, a circulação de músicos e grupos ainda é um gargalo. “Nós não temos no MinC projetos nesse sentido, regionalizados. Temos o Pixinguinha, mas é mais restrito, por ser uma circulação nacional, maior”, afirma. Naldinho foi convidado para integrar o grupo que está gestando a ideia. “A proposta atual é contemplar oito músicos/grupos, com dois concertos por estado: um na capital e outro no interior. Integrando os oito estados nordestino numa teia de circulação da produção local. Inicialmente a Bahia não está incluída, por ter uma Representação própria, mas, não excluímos a possibilidade de negociarmos sua entrada”, diz Naldinho. Uma ação interessante na proposta do edital é a contrapartida dos aprovados, que devem realizar rodadas de conversas, workshops e/ou oficinas com o público e os artistas dos locais aonde irão se apresentar, proporcionando também a circulação de ideias e vivências.

Serão 64 músicos/grupos contemplados pelo edital, oito estados integrados em 128 apresentações. O esboço do projeto delineia R$ 4.000,00 brutos de cachê para cada contemplado, as despesas gerais somadas resultarão em R$ 64.000,00 por estado. A pequena comitiva vinha de uma reunião similar com representantes da cadeia produtiva da música e gestores públicos em João Pessoa-PB, precedida por outro encontro em Recife-PE. Fábio e Naldinho relataram que Pernambuco apoiou o projeto, deu sugestões de acréscimos e não discutiu cachê, enquanto a Paraíba, que também apoio a iniciativa e discutiu com ativismo, reservou 30 minutos debatendo sobre os valores a serem pagos aos artistas. Já o Rio Grande do Norte, representado pela Rede Potiguar de Música – RPM, Fórum Permanente de Música – FPM/RN, Sindicato dos Músicos – SINDIMUSI-RN, Fundação José Augusto – FJA, Fundação Cultural Capitania das Artes – FUNCARTE e a sociedade civil, mostrou-se preocupado com questões de logística, qualidade técnica e de conteúdo e critérios de seleção. Opinou e defendeu mecanismos de garantias de realização exequível, dando pleno apoio à proposta.

De acordo com os gestores, para assegurar a realização com qualidade técnica e artística pensou-se em parcerias/contrapartidas de ação com os governos estaduais e municipais. As atribuições foram divididas: assessoria de imprensa, produção do registro audiovisual, cachês e transporte inter-estaduais, a cargo do MinC e cada estado e município compartilham a responsabilidade pela produção local, equipamentos de som e luz, local de realização do evento, hospedagem, alimentação e traslado estadual e nos municípios. Em relação às contrapartidas estaduais e municipais, Francisco Marinho, gestor para a área de música da FJA, propôs que fossem absorvidas unicamente pelo estado, visto que são relativamente pequenas e a negociação com dois municípios poderia resultar em entraves por questões políticas, evitando desgastes desnecessários.

Chico César, cantor e gestor público paraibano, foi referência constante nas discussões por ter acrescentado muito ao debate no seu Estado. Chico César deixou clara sua preferência pela realização do evento com estrutura de palco em locais abertos, proposta apoiada pelo maestro José Roberto Silva, representante da FUNCARTE, mas, questionada por outros músicos potiguares que defendem a realização dos concertos em teatros e pedem que o edital defina a padronização de local para todos os shows – ou em locais abertos ou fechados, em todos os estados. Uma das maiores preocupações é com as formatações de shows, que são diferentes para um palco aberto e para um palco fechado, diferença que pode ser sentida e interferir na qualidade das apresentações. Outra questão que preocupou os presentes foi o tempo em turnê, são 36 dias na estrada que, na proposta inicial do MinC, seria de ‘tempo corrido’, mas, após discutida na reunião potiguar, foi anotada a opção de ser dividida em 12 finais de semana. Os músicos alegaram que a primeira opção é impraticável porque a maioria, infelizmente, não tem na música a única fonte de renda e para esses a chance de concorrerem estaria eliminada, com o agravante de uma possível baixa qualitativa do projeto.

Segundo Fabio, o aporte financeiro que será captado margeia os R$ 7 milhões: “Essa é a segunda parte do projeto, a mais difícil, onde vamos buscar o financiamento”. A etapa RN foi concluída e o Estado levará à Pernambuco dois representantes para o Festival de Inverno de Garanhuns, o FIG, lá estará montada uma mini Representação Regional do MinC, onde acontecerá uma reunirão no dia 22 de julho, com os representantes dos oito estados nordestinos contemplados pelo projeto para discutir a finalização das propostas e outros assuntos como a reorganização da lista representativa da Rede Música Nordeste, retro-alimentada pelas discussões nacionais e estaduais.



Bruna Mara Wanderley

Jornalista – DRT/RN 1524