30 de janeiro de 2010

Conferência Nacional de Cultura - A diversidade na mídia em pauta

Reproduzido do Observatório do Direito à Comunicação, 27/1/2010; título original "Conferência Nacional de Cultura pede diversidade na mídia"



Foco de mais um ataque das maiores empresas de comunicação do Brasil, a 2ª Conferência Nacional de Cultura (CNC), marcada para acontecer de 11 a 14 de março, em Brasília, segue na reta final dos seus preparativos. Dentre os pontos importantes da pauta da CNC está a associação entre as políticas de comunicação e Cultura. Esta diretriz está expressa no texto base da conferência, que traz críticas ao monopólio das comunicações e à falta de regulamentação do capítulo da comunicação na Constituição Federal, mais especificamente os artigos que dizem respeito à regionalização e produção de conteúdo.

Foram exatamente as interseções entre comunicação e Cultura e a parte do documento que trata deste ponto que fez com que, na terça-feira (19/1), a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e TV (Abert) lançasse nota criticando o texto base da II CNC. A reação das associações empresariais, por meio de notas e de matérias nos principais veículos a elas vinculados, se dá quase seis meses após a divulgação do texto base, que está disponível desde agosto na página do Ministério da Cultura (Minc), órgão responsável pela organização da conferência.

De acordo com a interpretação feita pela Abert, que credita ao documento uma previsão de controle dos meios de comunicação, "o texto base da II CNC representa uma ameaça à liberdade de expressão". Além da nota da Abert, os jornais O Estado de S. Paulo e O Globo ("Ideia fixa") lançaram editoriais e matérias referindo-se à conferência como um atentado à liberdade de expressão, além de entrevistas questionando o formato e a representatividade de conferências sobre quaisquer temáticas.

"Controle social"

O Estado de S. Paulo, em seu editorial ("Nova investida contra a democracia"), referiu-se à 2ª CNC como "mais um ataque à liberdade de informação e de opinião, preparado não por skinheads ou outros grupos de arruaceiros, mas por bandos igualmente antidemocráticos, patrocinados e coordenados pelo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva". E completou: "O texto-base da conferência poderia figurar num museu de teratologia política, como exemplo do alcance da estupidez humana."

Apesar de concordar com a avaliação de que com o monopólio das comunicações não há democracia, o editorial do Estadão afirma que "não existe esse monopólio no Brasil nem nas verdadeiras democracias". O jornal do Grupo Estado dá a entender que afirmar que a comunicação é monopolizada no Brasil é uma desculpa "dos companheiros do presidente Lula, entre eles alguns de seus ministros" para impor a censura no país.

Já O Globo registrou sua opinião em matéria assinada pela jornalista Martha Beck, segundo a qual "o governo Lula não desistiu de aprovar algum tipo de controle de conteúdo dos meios de comunicação no Brasil, como aconteceu recentemente na Argentina e na Venezuela". A matéria deixa claro que a CNC somou-se ao rol alvos recentes da grande imprensa formado pela Conferência Nacional de Comunicação e o 3º Programa Nacional de Direitos Humanos. "Depois da discussão do tema na Conferência Nacional de Comunicação (Confecom) e da criticada abordagem no Programa Nacional de Direitos Humanos, o governo agora prepara uma nova investida para estabelecer o `controle social´ dos meios de comunicação. A II Conferência Nacional de Cultura promete trazer à tona, mais uma vez, o debate sobre liberdade dos meios de comunicação no país", registra o jornal das Organizações Globo.

Papel educativo

Joãozinho Ribeiro, secretário executivo da 2ª Conferência Nacional de Cultura, defende o texto base lembrando que a conferência de Cultura é bem maior que esta questão do monopólio dos meios de comunicação. "O nosso tema é `Cultura, diversidade, cidadania e desenvolvimento´ e, com essa abrangência, não tinha como deixar de se discutir a Cultura como um direito fundamental e isso tem uma ligação muito forte com o direito à informação, que também é muito importante", afirma.

O secretário lembra também que o texto base da 2ª Conferência Nacional de Cultura foi elaborado pelo Ministério da Cultura, mas foi apreciado e aprovado pelo Conselho Nacional de Políticas para Cultura. "Tanto o texto base quanto o regimento interno da 2ª CNC foram aprovados pelo Conselho Nacional de Políticas para Cultura. Inclusive, esse sub-eixo da comunicação foi inserido pelo conselho. A discussão estava presente, mas não como um sub-eixo específico", relata Joãozinho.

Uma semana antes da nota publicada pela Abert contra o texto base da CNC, a associação e também jornais da mídia tradicional, além da Rede Globo, fizeram críticas semelhantes ao 3º Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH3). O PNDH3 também questiona a falta de controle da sociedade sobre o conteúdo Audiovisual produzido por emissoras de rádio e TV, que muitas vezes desvirtuam os princípios constitucionais, deixando de cumprir seu papel educativo e passando a atuar como violadores de direitos humanos.

A comunicação na 2ª CNC

As questões que tratam das comunicações estão inseridas no 1º eixo temático do Texto Base da 2ª Conferência Nacional de Cultura, intitulado "Produção Simbólica e Diversidade Cultural". Dentro desse eixo, existem quatro pontos e, dentre eles, o de "Cultura, Comunicação e Democracia". Vale ressaltar que, antes de chegar aos eixos, o documento fala da visão que o Ministério da Cultura (MinC), órgão responsável pela convocação dessa conferência, adotou para trabalhar as políticas de Cultura do país.

Primeiramente o texto diz que a Cultura, desde a gestão do ex-ministro Gilberto Gil - empossado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2002 - é vista pelo MinC a partir de três dimensões: a simbólica, a cidadã e a econômica. O texto diz ainda que "os direitos culturais são direitos humanos e devem constituir-se como plataforma de sustentação das Política Culturais". Mais adiante, o documento ressalta que a Cultura é um elemento estratégico da nova economia, que se baseia na informação, na criatividade e no conhecimento.

Ao iniciar o único ponto do texto em que fala da comunicação, o documento faz a seguinte contextualização:

"As atividades relacionadas à informação estão adquirindo importância crescente no mundo atual. A produção, difusão e acesso às informações são requisitos básicos para o exercício das liberdades civis, políticas, econômicas, sociais e culturais. O monopólio dos meios de comunicação (mídias) representa uma ameaça à democracia e aos direitos humanos, principalmente no Brasil, onde a televisão e o rádio são os equipamentos de produção e distribuição de bens simbólicos mais disseminados, e por isso cumprem função relevante na vida cultural."

Mais adiante o texto fala da integração entre Cultura e comunicação. "Tão necessário quanto reatar o vínculo entre Cultura e educação é integrar as Políticas Culturais e de comunicação", aponta o documento.

A segunda parte deste trecho do texto base aponta a necessidade de se regulamentar o capítulo "Da Comunicação Social" da Constituição Federal. Este capítulo, dentre outras coisas, prevê que sejam estabelecidas regras para que se promova a regionalização e a veiculação de produção independente, o que pode ser claramente entendido como o estabelecimento de cotas a serem respeitadas pelos concessionários de rádio e TV.

Os fóruns de Cultura e de comunicação, diz ainda o documento,"devem unir-se na luta pela regulamentação dos artigos da CF/88 relativos ao tema. Entre eles o que obriga as emissoras de rádio e televisão a adaptar sua programação ao princípio da regionalização da produção cultural, artística e jornalística, bem como o que estabelece a preferência que deve ser dada às finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas, à promoção da Cultura nacional e regional e à produção independente (art. 221)".

Justamente este trecho sobre a regulamentação da Constituição é que, ao lado do primeiro parágrafo que acusa o fato de a formação de monopólios na comunicação de ser uma ameaça a democracia, serviu de mote para a reação dos empresários de mídia. Na lógica empresarial, estabelecer normas para o setor da comunicação e fazer com que sejam cumpridas deve ser considerado como censura, mesmo que estas normas sejam obrigações constitucionais previstas para concessionários de um serviço público - as emissoras de rádio e televisão.

Faltou Leitura

A exposição desta lógica nos grandes veículos da mídia tradicional tem obedecido um roteiro que quase sempre ignora a apresentação das opiniões expressas nos documentos pelos atores responsáveis, quando não deixa de citar o próprio processo que deu origem as propostas. No caso da CNC, tanto o MinC como movimentos historicamente ligados às análises e demandas expostas no texto base da conferência não foram ouvidos.

Na opinião de Joãozinho Ribeiro, o debate em torno da democratização dos meios de comunicação vem sendo feito desde 1988, com a promulgação da Constituição Federal, e a discussão já atravessou vários governos, sempre gerando polêmica. "Na verdade, essa situação se parece muito com o famoso poema de [Mário] Quintana quando diz que os verdadeiros analfabetos são os que aprenderam a ler e, em sabendo, não o fazem", diz o secretário.

Os textos cuja Leitura não foi feita por aqueles que atacam a Conferência Nacional de Cultura, aponta o secretário, mostram que a questão da democratização dos meios de comunicação é parte da maioria dos tratados e convenções internacionais assinadas pelo Brasil, inclusive a Convenção da Diversidade Cultural da Organização das Nações Unidas, de 2005, e também da Agenda 21 das Culturas, aprovada em Barcelona em 2004.

Fonte: Observatório da Imprensa

23 de janeiro de 2010

Poema feito à mão

Poema feito à mão
(Allan Sales)

Tem tudo nesse mundo
Sem fuder no tète à tète
Ficam dois conectados
E a história se repete
E o cabra masturbado
Ejacula no teclado
Punhetando a internet

Ela fica doutro lado
E na seca também fica
Molhadinha suspirando
A querer sentar na pica
Mas não pode entrar no rolo
O seu dedo é seu consolo
Dedilhando a siririca

Uma “cam” então ligada
O casal nessa vendeta
Um colóquio virtual
Pois casal não é careta
Um consolo é bem verdade
Cada um é só vontade
De juntar rola e buceta.

Big Brother...A Cara do Brasil!

Big Brother...A Cara do Brasil!

Neste País existe "pato" pra tudo.
CONSTATAÇÃO

José Neumani Pinto / Radio Jovem Pan

29 milhões de ligações do povo brasileiro votando em algum candidato para ser eliminado do Big Brother. Vamos colocar o preço da ligação do 0300 a R$ 0,30.
Então, teremos R$ 8.700.000,00. Isso mesmo! Oito milhões e setecentos mil reais que o povo brasileiro gastou só nesse paredão. Suponhamos que a Rede Globo tenha feito um contrato "fifty to fifty" (meio a meio) com a operadora do 0300, ou seja, ela embolsou R$ 4.350.000,00. Repito, somente em um único paredão...". Você sabia que existem algumas pessoas que acreditam que "tal candidato" do BBB foi realmente eliminado pelos votos do povo. Essas pessoas pensam que a Rede Globo deixa realmente o público escolher quem será eliminado. - Quanta ingenuidade...
Alguém poderia ficar indignado com a Rede Globo e a operadora de telefonia ao saber que as classes menos letradas e abastadas da sociedade, que ganham mal e trabalham o ano inteiro, ajudam a pagar o prêmio do vencedor e, claro, as contas dessas empresas. Mas o "x" da questão, caro(a) leitor(a), não é esse. É saber que paga-se para obter um entretenimento vazio, que em nada colabora para a formação e o conhecimento de quem dela desfruta; mostra só a ignorância da população, além da falta de cultura e até vocabulário básico dos participantes e, consequentemente, daqueles que só bebem nessa fonte.
Certa está a Rede Globo. O programa BBB dura cerca de três meses. Ou seja, o sábio público tem ainda várias chances de gastar quanto dinheiro quiser com as votações. Aliás, algo muito natural para quem gasta mais de oito milhões numa só noite! Coisa de país rico como o nosso, claro. Nem a Unicef, quando faz o programa Criança Esperança com um forte cunho social, arrecada tanto dinheiro.
Vai ver deveriam bolar um "BBB Unicef". Mas tenho dúvidas se daria audiência.
Prova disso é que na Inglaterra pensou-se em fazer um Big Brother só com gente inteligente. O projeto morreu na fase inicial, de testes de audiência.
A razão? O nível das conversas diárias foi considerado muito alto, ou seja, o público não se interessaria.
Programas como BBB existem no mundo inteiro, mas explodiram em terras tupiniquins. Um país onde o cidadão vota para eliminar um bobão (ou uma bobona) qualquer, mas não lembra em quem votou na última eleição. Que vota numa legenda política sem jamais ter lido o programa do partido, mas que gasta seu escasso salário num programa que acredita de extrema utilidade para o seu desenvolvimento pessoal e, que não perde um capítulo sequer do BBB para estar bem informado na hora de PAGAR pelo seu voto. Que eleitor é esse? Depois não adianta dizer que político é ladrão, corrupto, safado, etc. Quem os colocou lá?
Claro, o mesmo eleitor do BBB. Aí, agüente a vitória de um Severino não-sei-das-quantas para Presidente da Câmara dos Deputados e a cara de pau, digo, a grande idéia dele de colocar em votação um aumento salarial absurdo a ser pago pelo contribuinte.
Mas o contribuinte não deve ligar mesmo, ele tem condições financeiras de juntar R$ 8 milhões em uma única noite para se divertir (?!?!), ao invés de comprar um livro de literatura, filosofia ou de qualquer assunto relevante para melhorar a articulação e a autocrítica... Chega de buscar explicações sociais, coloniais, educacionais. Chega de culpar a elite, os políticos, o Congresso.
Olhemos para o nosso próprio umbigo, ou o do Brasil. Chega de procurar desculpas quando a resposta está em nós mesmos. A Rede Globo sabe muito bem disso, os autores das músicas Egüinha Pocotó, O Bonde do Tigrão e assemelhadas sabem muito bem disso; o Gugu e o Faustão também; os gurus e xamãs da auto-ajuda idem.
Não é maldade nem desabafo, é constatação.

19 de janeiro de 2010

Nossa Homenagem ao grande André da rebeca!

O Silêncio Político da Cidade

O Silêncio Político da Cidade

por Pablo Capistrano

O bom de voltar para Natal depois de viajar para uma cidade como Salvador é que você acha o trânsito daqui ótimo, o clima agradável, os shoppings vazios e os níveis de violência urbana interioranos.

Natal é uma cidade formada por matutos cosmopolitas, por sertanejos que moram na praia e por pessoas que tem suas origens fincadas em outros lugares. Nossa cidade anda crescendo e se você chegou por aqui esses dias é bom saber que estamos vivendo uma desconcertante metamorfose, muito mais intensa e impactante do que a metamorfose que Salvador ou Recife enfrentaram nos últimos anos. Isso porque Recife e Salvador já eram pólos culturais e econômicos desde a época da colônia e Natal… bem… Natal era aquela fazenda iluminada, habitada por quatro ou cinco famílias, isolada por um sudário de areia.

Era! Agora, Natal explodiu em um tempo tão curto, que deixou sem norte uma ou duas gerações que dormiram na aldeia e acordaram na metrópole.

Apesar disso a cidade anda meio silenciosa.
Não falo sobre os motores dos carros, o matraquear das bocas humanas ou zunido infernal das praças de alimentação dos shoppings centers. Não falo do silêncio acústico, tão precioso para aqueles que sabem o real sentido da palavra paz.

Falo do misterioso silêncio político que contaminou nossa urbe em 2009. Depois de um ano de mandato da prefeita Micarla de Sousa há uma estranha sensação de estagnação no ar, como se a alma da cidade, a despeito do crescimento do seu corpo, estivesse em hibernação.

Não sei se você lembra, mas na gestão anterior, Natal e suas demandas entraram na pauta cotidiana dos cidadãos. As construções em Ponta Negra, o transporte público, a presença do turismo estrangeiro, a saúde, a produção artística da cidade… naquele tempo se ouvia sobre Natal nas ruas de Natal.

O ex-prefeito Carlos Eduardo conseguiu (para o bem ou para o mal) em sua gestão, embater-se frontalmente com três dos mais poderosos setores econômicos da cidade: os hospitais, as empresas de transporte público e as construtoras. Esses embates mobilizaram a opinião pública, ajudando a construir um espaço para se debater publicamente o tipo de cidade que os natalenses gostariam de construir.

A questão da construção de edifícios ao lado do Morro do Careca, o problema do Hotel da BRA na via costeira, as disputas entre a bancada das empresas de ônibus e os vereadores que apoiavam o prefeito no plenário da Câmara Municipal, a eterna crise da secretaria de saúde, as intermináveis discussões nas rodas intelectuais sobre a programação do ENE. Carlos Eduardo foi um prefeito que não tinha medo de tomar posições de confronto.

A suavidade adocicada com que a prefeita Micarla de Sousa trata os setores que monopolizam o capital na cidade nos afasta daquele tempo de discussão e de confronto. A gestão Micarla esse ano que passou, parece ter oscilado entre o vacilo em relação às pressões inevitáveis que qualquer gestor sofre e a covardia política de manter posições firmes. Hoje, a cidade parece viver a anestesia preguiçosa dos conformados.

Micarla é doce, fala macio, mas aparentemente tem dificuldade de impor uma marca de comando sobre o aglomerado discrepante de forças políticas que tomaram conta da sua gestão. Talvez por isso, seu primeiro ano de governo tenha sido assim… tão evanescente, tão indefinido, tão desconcertantemente silencioso.

Um** passo à frente, dois passos atrás*

Um** passo à frente, dois passos atrás*

Mensagem da Liga de Socialistas do Século XXI ao Movimento Nacional de Direitos Humanos, seções do Tortura Nunca Mais, ONGS, movimentos sociais, ex-presos e perseguidos políticos, familiares e amigos de desaparecidos, parlamentares de todo o país, magistrados, procuradores, oficiais da ativa das Forças Armadas, jornalistas e demais membros da sociedade civil.

Companheiros e amigos,

Sabemos que existe uma diferença fundamental entre a abordagem política e as abordagens moral, religiosa ou jurídica dos fatos. Enquanto estas só admitem caminhar para a frente, em marcha batida, a primeira procura dar conta das leis da vida, a partir da premissa de que política é correlação de forças, a arte de avançar em combate, numa relação dialética com o adversário ou inimigo. Às vezes é preciso recordar o óbvio para não se alienar do sentido da história. A análise e a prática políticas dependem da correta
identificação das forças em confronto, sem perder de vista as possibilidades abertas e os limites impostos pela conjuntura, para evitar a armadilha da esfera estritamente ideológica, enquanto imagem invertida da realidade. Somos socialistas do Século XXI, democratas sem pejo de se proclamar radicais, adversários de quaisquer muros à livre formação da consciência. E é desse ponto de vista que interpretamos e nos pronunciamos sobre o decreto presidencial de 13/1/2010 que institui a Comissão Nacional da Verdade.

O problema é o seguinte: a conjuntura política mudou com o decreto que dá nova redação à diretriz 23 do Decreto 7.037, de 21 de dezembro de 2009. Para alguns companheiros e entidades, ainda sujeitos à lógica paralisante da metade do século passado, entretanto, a mudança teria sido para pior, mediante uma virtual capitulação a pressões golpistas. Segundo essa interpretação equivocada, a alteração do terceiro Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH) teria como objetivo principal não a apuração das torturas, assassinatos e desaparecimentos, mas a punição, pela segunda vez, das vítimas da ditadura. Tememos que esse raciocínio se paute por uma lógica alucinada, como costuma ser a dos apressados e rincipistas. Vamos direto ao assunto e falar de dois pontos que para nós, Inquietos da LS-21, são essenciais e constituem o cerne da questão.

PRIMEIRO PONTO: Comparemos a realidade político-jurídica de 20/12/2009 e a de 14/1/2010. Vinte e cinco dias são a distância entre duas conjunturas. Antes estávamos no mesmo patamar de 22 anos atrás: como em 1988, os arquivos da ditadura continuavam sumidos, os destinos dos companheiros desaparecidos envoltos em brumas, a anistia era considerada como perdão recíproco e os torturadores andavam livres por aí publicando sites, blogs e bravatas. Enquanto isso o pau de arara continuava com fila de espera nas delegacias e presos comuns seguiam submetidos às mesmas humilhações e suplícios. Neste início de 2010, embora as sensações cotidianas pareçam inalteradas, bem ou mal temos um decreto assinado pelo Presidente da República, pactuado com o Ministro da Defesa e os comandantes militares, criando um Grupo de Trabalho que tem o prazo-limite de abril próximo para apresentar a minuta de um projeto de lei instituindo a Comissão Nacional da Verdade. O Grupo de Trabalho será presidido pela Casa Civil, ou seja, passou a ser coordenada pelo próprio Presidente via ministra Dilma Rousseff, virtual candidata a Presidente da República e crítica notória da fase de nossa história em que a tortura consistia no principal método de governo. O GT será integrado por seis membros: um deles do Ministério da Defesa e cinco interessados, em tese, numa verdadeira Comissão da Verdade. Dito de outra forma, o GT contará em princípio com a direção moral e intelectual de membros das sociedades política e civil.

No final de dezembro não tínhamos nada. No ano novo temos um GT que produzirá um Projeto de Lei até abril, com uma composição que é amplamente favorável à verdade histórica. Sem contar que a verdade tem uma força que lhe é própria, imanente, independente de maiorias ou minorias. A diferença é da água para o vinho... É certo que houve um recuo semântico, de apuração dos crimes da repressão para apuração da verdade nos conflitos políticos. Mas isso não é o mais importante! De que adiantaria obter uma vitória semântica e sofrer uma derrota política que perpetuasse o imobilismo? Talvez tenha havido um recuo do ponto de vista estritamente normativo, mas, do ponto de vista político, tivemos inegavelmente um avanço. Não reconhecer isso pode ser um grave equívoco.

SEGUNDO PONTO: A interpretação errônea dada à mudança semântica é que os perseguidos do passado seriam recolocados novamente no banco dos réus. Essa análise equivale a tomar a sombra pela árvore, a árvore pela floresta e o detalhe pelo conjunto. Em primeiro lugar, é preciso reafirmar que os perseguidos pela ditadura militar não têm armários e nenhum deles coleciona esqueletos. Logo, não tememos a verdade. Os segredos da chamada esquerda política foram extraídos dela pela força e toda sua trajetória foi esmiuçada em processos ilegítimos; milhares de militantes foram condenados em tribunais de exceção e centenas executados ou exilados sem o direito a um processo legal. Após a redemocratização, por amor à transparência e à verdade histórica, mesmo os raros aspectos preservados da sanha repressiva, foram espontaneamente relatados pelos próprios protagonistas em centenas de entrevistas a especialistas, documentários e livros biográficos. Em segundo lugar, não há como apurar os crimes da repressão sem que eles tragam de volta também a história de suas vítimas, as cenas dos interrogatórios, os dados fornecidos sob tortura e os relatados por agentes infiltrados. Para ficar claro: não há como projetar luz sobre os métodos da repressão e manter no escuro o histórico das oposições, como tratar da tortura desconsiderando sua finalidade, seus resultados e consequências.

Se a história das oposições é transparente, a que permanece oculta é a dos porões e dos altos escalões da ditadura. Permanecem longe das vistas das autoridades até os próprios arquivos do regime que infelicitou a nação entre 1964 e 1985. Onde estão as ordens e decretos secretos? Como era a linha de comando do regime militar? De que forma eram tomadas as decisões mais sinistras, como elas eram cumpridas por subalternos sem escrúpulos? Tudo isso foi descrito pela burocracia. O que não foi registrado pode ser
revelado por funcionários se, sobre eles, deixarem de ter força as ameaças explícitas e veladas dos mandantes. É preciso tornar públicas as ordens do dia dos quartéis, os boletins e os registros carcerários das unidades militares, os decretos, portarias, ofícios, os quadros de pessoas lotadas em cada unidade dos DOI-CODI e suas respectivas funções. É importante não esquecer as atas das entidades empresariais, os nomes dos grupos e indivíduos que financiavam os esquemas indiscriminados de terror. É necessário, ainda, apurar quem produzia os *press-rele*ases dos DOI-CODIs e quem, nos jornais, os recebia e ordenava que fossem publicados!

Uma Comissão da Verdade baseada no princípio do contraditório deve ser válida para todos os lados - e não poderia ser diferente. Em termos políticos ela trará à luz o que permanece escondido e segue estritamente protegido pelos próprios criminosos! E histórica e juridicamente é isso que importa.

Concluímos alertando fraternalmente os companheiros e amigos de que os dois pequenos passos atrás representam, em nossa interpretação, um gigantesco passo à frente. Pela primeira vez estamos efetivamente caminhando para a implantação da Comissão Nacional da Verdade. Seu conteúdo ainda é uma questão em aberto, que pode variar conforme a correlação de forças. Não considerar isso pode levar à perda de aliados, ao alvejamento de companheiros com "fogo amigo" e a não nos organizarmos
à altura para conferir o conteúdo que a Comissão da Verdade pode e precisa ter. Resumindo, é preciso reconhecer que a luta se coloca hoje num outro patamar, acima e diferente do patamar em que se encontrava anteriormente. Dado o avanço conquistado, as respostas antigas estão superadas e já fazem parte da História. O que para nós, Inquietos, se recoloca agora é, novamente, a eterna pergunta que não quer calar: O QUE FAZER?

São Paulo, janeiro de 2010.

LIGA DE SOCIALISTAS DO SÉCULO XXI - LS-21

18 de janeiro de 2010

SER HUMANO É TER DIREITOS!

“nenhum acordo decente pode ser feito à custa da dignidade humana”

(Fábio Konder Comparato)

Preparava-me para me debruçar sobre a elaboração de um artigo sobre Direitos Humanos, nesta manhã ensolarada e solitária de Brasília, após uma sessão de leitura matinal de jornais e revistas, quando os meus olhos se depararam com a resenha do livro do companheiro do Ministério da Cultura, Célio Turino, lançado recentemente, “Ponto de Cultura: O Brasil de Baixo para Cima”, oriunda da lavra do poeta Hamilton Faria.

Encravada na última página do Le Monde Diplomatique Brasil, edição de janeiro de 2010, sob o título “A Poética de um Brasil Des-Silenciado”, encharcou meu domingo de alegria e de uma indomável esperança nas lições de humanismo que a sua alma sensível sempre foi capaz de compartilhar com as pessoas, através de valores fincados no desenvolvimento humano, pródiga de generosidade, invocando a cultura da paz e o reencantamento do mundo.

Nos últimos tempos, tenho revisitado insistentemente o legado de ensinamentos deixados pelas inovadoras gestões culturais implementadas no país, e a gestão do ministro Gilberto Gil cabe como exemplo concreto de algo que talvez só consiga ser plenamente compreendida e assimilada por pesquisadores e militantes culturais daqui a alguns anos. Imbuído deste espírito de compartilhamento e cumplicidade cultural repasso aos leitores desta coluna, na íntegra, a primorosa resenha elaborada pelo poeta Hamilton Faria sobre o livro do Célio:

“Quando o ministro Gil, em seu discurso de posse, afirmou que a cultura precisava mudar e que era necessário massagear os pontos vitais do país, operando um verdadeiro Do-in antropológico, sabia que essa não seria uma tarefa fácil, mas não imaginava a riqueza conceitual, teórica, de políticas públicas e de novas poéticas que o processo desencadearia. O livro de Célio Turino, secretário da Cidadania Cultural do Ministério da Cultura, traz contribuição decisiva para o entendimento definitivo da proposta dos Pontos de Cultura, e mostra que é possível fazer cultura “sem dirigismo, centralismos ou caminho único”. No entanto, Ponto de Cultura é mais que uma política pública em processo de construção: é teoria política, movimento sociocultural, gestão compartilhada, trabalho em rede. São mais de 2 mil Pontos, com milhares de pessoas envolvidas em todo o território nacional, em grupos, redes, coletivos, organizações, movimentos já existentes – com presenças das culturas ancestrais, protagonismo jovem, de novas manifestações estéticas, movimentos de caráter identitário de mulheres e homossexuais, movimentos associativos e reivindicatórios, arte erudita, pesquisa em linguagens, cultura de paz. São índios fazendo filme, jovens que fazem arte, surdos no teatro. O livro delineia, com riqueza de exemplos, conceitos, poemas, depoimentos, pesquisas e dados históricos, uma poética de um Brasil “des-escondido” e “des-silenciado”, propondo um cenário do bem comum como valor da civilização.

Reflexão sociológica, história, crônica, autobiografia, literatura, indagação existencial? “Deixei meu pensamento entrar no deserto, no lugar em que só o essencial faz sentido” diz Célio. O poeta-gestor fala também em compaixão na política. O livro é um mosaico de temas e imagens. Antes de tudo, emotivo, plenamente humano, vivo.

A conclusão definitiva é aquela revelada em sua autoentrevista, quando afirma: “Eu sou um Ponto de Cultura”. Como poetiza Mário Quintana: “Tudo o que eu toco se transforma em mim”. Célio é criador e criatura. E tudo isso já é Brasil. Areté!*”.

*Em tupi, significa dia festivo; em grego, virtude, excelência.

Nos breves dias que precedem com certeza os dois maiores atos culturais brasileiros previstos para o cenário do primeiro trimestre de 2010 - 2ª Reunião Púbica Mundial da Cultura, de 26 a 29 de janeiro, em São Leopoldo-RS, integrante da programação do Fórum Social Mundial; II Conferência Nacional de Cultura, de 11 a 14 de março, em Brasília-DF -, o jornal “O Estado de São Paulo”, na edição deste domingo (17/01), publica uma matéria pejorativa sobre a II CNC, primando pela sua antecipada desqualificação, tendo como dissimulado pano de fundo uma afronta ao terceiro Plano Nacional dos Direitos Humanos, de onde os Direitos Culturais despontam como parte integrante.

A questão dos Direitos Humanos, não só no Brasil, mas em quase todo o mundo é uma questão delicada, não consensual e que causa sempre “colisão de direitos” quando colocada na agenda política de qualquer país, principalmente daqueles que passaram por regimes autoritários, e muito mais pelos que ainda guardam resquícios de história escravocrata e de dizimação de populações nativas, como é o nosso caso.

Um bom ensinamento sobre o tema nos legou o jurista e filósofo italiano Norberto Bobbio, afirmando serem os Direitos Humanos, em suas gêneses, direitos históricos, frutos de lutas e conquistas sociais e políticas, que ao longo do tempo estão sempre em construção e, às vezes, até em desconstrução, em virtude de não mais atenderem aos reclamos sociais da época, e da própria evolução das diferentes sociedades. Não são portanto naturais, ou dádiva de alguma divindade.

Sei muito bem do que falo, pois sou sócio-fundador da Sociedade Maranhense dos Direitos Humanos, que no próximo dia 12 de fevereiro completa 31 anos de existência. A simples invocação de tais direitos à época da sua fundação, no meu estado atrasado, era recebida à base da bala, literalmente, pelos jagunços, defensores dos interesses dos coronéis latifundiários. Naquele tempo, a militância em prol dos Direitos Humanos era praticamente uma sentença de morte anunciada, e muitos sucumbiram, sem que até hoje houvesse a punição ou simples reconhecimento dos responsáveis.

As conferências públicas são espaços participativos mundialmente consagrados, se constituindo, por excelência, na forma de concertação adotada pela Organização das Nações Unidas para tratar das questões de relevante interesse mundiais; como é o recente caso da Conferência de Copenhague, que pautou as questões climáticas, assim como a Conferência Mundial dos Direitos Humanos, realizada em 1993, que teve como principal resultado a Declaração de Viena, hoje tendo muitos dos seus artigos incorporados pelas Cartas Constitucionais de mais de uma centena de nações integrantes da ONU.

As conferências servem também para moldar o mais legítimo cimento da coexistência humana entre os indivíduos e comunidades, traduzido no respeito à cultura do outro, na promoção e proteção da diversidade das expressões culturais, tão bem expostos pelas palavras singelas de D. Zilda Arns, com as quais faço questão de encerrar este artigo e expressar as minhas sinceras e sentidas homenagens:

“Ao fortalecer os laços que ligam a comunidade, podemos encontrar as soluções para os graves problemas sociais que afetam as famílias pobres. A sociedade organizada pode ser protagonista de sua transformação”.

17 de janeiro de 2010

CONVITE

A Fundação José Augusto e os movimentos culturais do RN convidam todos os atores envolvidos nas cadeias produtivas da Música, Teatro, Circo, Dança e Audiovisual para participarem das Assembléias Estaduais de cada setor (preparatórias para a pré-Conferência Setorial, parte do processo da II Conferência Nacional de Cultura - março de 2010-Brasília). Os encontros acontecerão no dia 20 de janeiro - 9h (ver local de acordo com as áreas abaixo)


As assembléias têm como objetivo eleger três delegados da sociedade civil (e suplentes) e obter a indicação das Secretarias de Cultura dos Estados de um delegado (também com suplência).


A presença de cada participante será de fundamental importância para definir os rumos das políticas públicas culturais do Brasil.

Contamos com sua participação!


Os membros da Sociedade Civil interessados em participar das Pré-Conferências Setoriais na condição de Delegados deverão:


1º. Fazer o registro de sua candidatura em Formulário disponibilizado no site do CNPC (http://www.cultura.gov.br/cnpc/2009/12/15/formulario-de-candidatura-para-delegacao-setorial/), até a data de realização das assembléias setoriais.


2º. Participar da assembléia setorial estadual ou distrital, onde serão eleitos os 03 (três) representantes da sociedade civil.


3º. Postar até 31/01/10, os documentos exigidos na Resolução nº 2 para concluir sua habilitação (para os delegados eleitos).


Mais informações pelo email brunnabrok@yahoo.com.br ou 32325342/04 32325342/04 (8h às 12h). Em anexo um material disponibilizado pelo Ministério da Cultura que servirá de apoio nas assembléias.


LOCAL DE REALIZAÇÃO DAS ASSEMBLÉIAS (POR SETOR):


TEATRO: Casa da Ribeira - Rua Frei Miguelinho, 52

MÚSICA: TCP (Teatro de Cultura Popular Chico Daniel) - Rua Jundiaí, 641

CIRCO: Circo Tropa Trupe - Campus Universitário (Próximo do Campo de Futebol)

DANÇA: Auditório da Fundação Capitania das Artes - Av. Câmara Cascudo, s/n.

AUDIOVISUAL: Auditório Franco Jasielo - Fundação José Augusto, Rua Jundiaí, 641


Divulguem em fóruns, blogs, sites!


Realização:

Fundação José Augusto


Apoio:

Casa da Ribeira

Teatro de Cultura Popular Chico Daniel

Tropa Trupe Cia de Arte

Funcarte

Representação Regional Nordeste do Ministério da Cultura

Banco Nordeste BNB

14 de janeiro de 2010

Com culpa no cartório, empresários da comunicação atacam o Programa Nacional dos Direitos Humanos

LAURINDO LALO LEAL FILHO


É só se falar em algum tipo de ação da sociedade para evitar os abusos freqüentemente cometidos pelos meios de comunicação que os seus controladores, imediatamente, pulam. Os gritos mais recentes são contra a proposta de criação de uma comissão governamental para acompanhar a produção das empresas do setor e estabelecer um ranking dos veículos “comprometidos com os direitos humanos”, contida no Programa Nacional dos Direitos Humanos lançado no final do ano pelo governo.

Em nota oficial as entidades empresariais de comunicação bateram no velho tecla da “ameaça à liberdade de expressão”. São capazes de afirmar que os direitos humanos “estão acima de qualquer questionamento” para, em seguida, negar a possibilidade de um acompanhamento público do respeito que eles dizem dedicar a esses direitos. Ora, se são tão respeitosos com os direitos humanos, como afirmam, porque temem que a sociedade, através do governo, comprove na prática esse comportamento.

Parte da resposta está em diversos programas veiculados diariamente por grande parte das emissoras de rádio e televisão do Brasil, violadores contumazes dos direitos humanos. É a prova definitiva do cinismo com que são escritas essas notas oficiais assinadas pelas entidades patronais.

Veja uma das frases do documento empresarial: “A defesa e valorização dos direitos humanos são parte essencial da democracia, nos termos da Constituição e de toda a legislação brasileira, e contam com nosso total compromisso e respaldo”.

E agora compare esse texto com o relato de dois telespectadores, a respeito de um tipo de programa, chamado policialesco, que prolifera em nosso pais.

O primeiro de Salvador:

“Há cenas de pessoas mortas ou agonizando, ao vivo, com tiros recebidos na cabeça. Há casos de travestis quase nus se agredindo ou pessoas se agredindo com paus, pedras ou socos durante as reportagens”.

Outro de Porto Alegre:

“Aqui no Rio Grande do Sul temos um exemplar desse tipo de programa também. É apresentado por um sujeito bizarro que dá chineladas em uma mesa. Ele acompanha as ações policiais, e dão a ele o direito de humilhar e zombar das pessoas que são alvo de ações policiais”.

Mas há mais elementos concretos para tornar a nota oficial dos empresários uma peça de ficção. Basta ver como são tratados os negros nas telenovelas, os homossexuais nos programas de auditório e os pobres nos espetáculos policialescos acima mencionados.

Para quem ainda não teve o desprazer de ver esse tipo de programa basta entrar na internet e no YouTube e clicar, por exemplo, em títulos como “Se Liga Bocão”, da TV Itapoã ou “Na Mira”, da TV Aratu, ambas de Salvador. Ou ainda “Bronca Pesada” e “Papeiro da Cinderela”, da TV Jornal do Recife. Ou em muitos outros.

É esse desrespeito embrutecedor da sociedade brasileira que o Programa Nacional de Direitos Humanos quer coibir. E tal proposta não saiu da cabeça iluminada de qualquer ministro para ser imposta à sociedade. Ela é resultado de um longo período de acúmulo de conhecimento e de maturação política. Basta lembrar que a 7a. Conferência Nacional dos Direitos Humanos, realizada em 2002, já apontava a TV como um elemento violador desses direitos. Nasceu ai a campanha “Quem financia a baixaria é contra a cidadania”, até hoje em atividade, apontando periodicamente os programas que, segundo o público, mais violam os direitos humanos.

Cabe ressaltar a preocupação que o Ministério Público tem tido com a questão. Acionado por entidades da sociedade civil o MP moveu ação contra o programa do João Kleber, de caráter claramente homofóbico, e conseguiu decisão judicial suspendendo-o por um mês.

E no Recife, vale a pena reproduzir alguns trechos da Ação Civil
Pública assinada pelos promotores de Justiça Jecqueline Elihimas e
José Edivaldo da Silva sobre os programas pernambucanos acima citados. Dizem eles, em resumo:

"O que se enxerga nos programas, que passam ao largo de uma legítima expressão artística, é apenas um enfoque bizarro tanto de situações do cotidiano ou dos próprios seres humanos, ali escolhidos para servirem de troça aos telespectadores. Sob o manto dissimulado da comédia, o que na verdade se vê é a execração pública das pessoas humildes, de suas vidas
privadas, de seu sofrimento e dramas pessoais. Dessa forma, tornam a
realidade cruel, injusta, sofrida ou violenta de uma população já
excluída, um motivo de zombaria para os que a assistem. O que se vê é
uma postura constante de veiculação e propagação de idéias
prec onceituosas, discriminatórias e homofóbicas e que atentam
claramente contra princípios constitucionais, em especial à dignidade
humana".

São afirmações que só confirmam a pertinência e a aplicação urgente do 3º Plano Nacional de Direitos Humanos, ainda que o empresariado que opera concessões públicas de rádio e TV grite e esperneie.

12 de janeiro de 2010

Protagonismo dos blogs muda contexto da campanha eleitoral na mídia

Por Carlos Castilho




A polêmica sobre o 3º Programa de Defesa dos Direitos Humanos mostra que um novo processo político está ganhando corpo na sociedade brasileira diante das debilidades, indefinições e descrédito que afetam algumas instituições do Estado brasileiro.



O debate está passando ao largo de instituições como o Congresso nacional cujo descrédito abriu espaço político para a participação de novos atores como os weblogs, twitters e fóruns de discussão pela internet.



A discussão virtual está ganhando mais relevância diante do aumento do número de leitores de jornais que passam a ver a imprensa não como um facilitador ou mediador do debate, mas como parte interessada.



A opinião pública demonstra nítidos sinais de orfandade em matéria de espaços políticos convencionais, porque os partidos políticos foram transformados em agências de empregos públicos distribuídos por critérios eleitorais.



O debate sobre o Programa de Defesa dos Direitos Humanos é apenas a ponta de um iceberg que começa a ganhar corpo e cuja face visível é uma radicalização crescente dos segmentos mais conservadores, ao constatar que as instituições formais já não funcionam mais como escudo protetor de suas propostas.



O mundo da blogosfera mostra outra face. Nela os desiludidos da mídia convencional criam o seu próprio canal de publicação de idéias numa inédita convivência, nem sempre pacífica, com os blogs conservadores.



A polêmica, que pode ser acompanhada por meio de simples buscas sobre os principais temas em debate no Google ou no Twitter, mostra o surgimento da internet como um novo ambiente político onde os participantes são ao mesmo tempo atores e público. É esta dupla funcionalidade que gera tanta participação, como pode ser visto até aqui no Observatório, nos comentários postados por leitores.



O debate sobre o ato falho de Boris Casoy, por exemplo, foi muito mais intenso na blogosfera do que na mídia convencional. É claro que a imprensa se deixou levar pelo corporativismo para minimizar o episódio, mas por outro lado, o patrulhamento blogueiro foi implacável com o infeliz comentário do apresentador do telejornal da Band.



Esta tendência à polarização deve ganhar novo combustível na medida em que a campanha eleitoral ganhar mais intensidade. Tudo indica que teremos dois espaços para o debate político:



1) O convencional, onde os segmentos mais conservadores devem predominar, porque é o que lhes resulta mais familiar e influenciável;

2) A Web é o outro espaço para interatividade política, onde é nítida uma maior movimentação dos setores mais liberais, e principalmente dos mais jovens.





Esta segmentação de espaços políticos é inédita em nossa história eleitoral já que pela primeira vez setores que nunca tiveram acesso direto à mídia tem agora a sua disposição uma plataforma barata para publicar idéias e propostas.



É possível prever que a grande batalha por corações e mentes nas próximas eleições presidenciais será travada na internet porque também os políticos convencionais pretendem usá-la em beneficio próprio.



Mas ela terá características bem diferentes das ocorridas na mídia tradicional em pleitos anteriores. O grande diferencial é a impossibilidade de monitorá-la, dado o seu caráter descentralizado e horizontal. Assim fica difícil dizer que tal candidato ou tal partido tem maioria das preferências na Web porque será impossível medir tendências como acontece com as pesquisas de opinião, tipo IBOPE ou DataFolha.



A fragmentação e dispersão dos atores políticos na Web, em especial na blogosfera, é uma porta aberta à radicalização, o que é um fator preocupante embora quase inevitável. Faz parte da alfabetização política na Web, assim como aconteceu no passado com os comentários agressivos e xenófobos em weblogs.


O importante é verificar que as regras do jogo político na Web não são as mesmas que vigoram no debate via jornais, rádios e televisão. Nestes, o público é um espectador, enquanto na Web, mesmo sendo ela privilégio de uma minoria de brasileiros, o cidadão comum é um protagonista, em termos de mídia. Isto faz muita diferença.

2 de janeiro de 2010

Quem tem medo do Lula?

Todas as prevenções possíveis foram propaladas pela imprensa mercantil: “Cuidado, o filme (piegas, para eles, como tudo o que é do povo), tenta pegar você pelo sentimento, pelo sofrimento da mãe nordestina (ainda mais que feita pela cativante Gloria Pires), é um filme populista, a cara desse governo”. Um funcionário da empresa dos Frias (a Força Serra Presidente) diz que prefere Vidas Secas, do Graciliano. (Tem tanto a ver quanto dizer que, aos “2 filhos de Francisco”, eu prefiro Sacco e Vanzetti).

Só para tentar desqualificar algo que incomoda profundamente a elite branca, assumidamente sulista (do Sul maravilha do Henfil, que os estaria gozando mais do que nunca hoje), racista, separatista (ao estilo de 1932, quando diziam que São Paulo era “a locomotiva do país”, que puxava tantos vagões de gente que não queria trabalhar, mas viver às custas dos paulistas, daí o separatismo e o “Não sou conduzido, conduzo”, seu lema na época).

Poderiam ter feito outra coisa: um filme com a biografia do FHC. (Como reclamam que o programa do PT fez a comparação do governo Lula com o do FHC, então devem fazer o próximo programa tucano fazendo a sua comparação dos dois governos.)

O filme é lindo e emocionante, porque trata de uma trajetória de vida linda e emocionante. E vitoriosa. (Ao contrário do belíssimo Vidas Secas, mas que trata da grande maioria dos nordestinos, especialmente até bem pouco, derrotados.) As novelas invisibilizam os nordestinos, quando são retratados, em geral pela literatura, às vezes pelo cinema, são focalizados no seu sofrimento ou em alguma saída individual, mágica, que não passa pela política. Senão seria um convite à ir à luta.

E Lula, sua vida, incomodam, porque é um nordestino vitorioso. Não apenas porque passou por todos os sofrimentos e perdas que a grande maioria do povo brasileiro passa. Mas porque as superou, chegou a presidente da República, derrotando candidatos da direita e começou a mudar a vida das pessoas que, como ele, nasceram na miséria, que são a grande maioria, porque as elites reproduziram um país para poucos, para eles.

Entre tudo de extraordinário que acontece na Bolívia atualmente, seu vice-presidente, Alvaro Garica Linera, destaca especialmente um breve diálogo entre Evo Morales e um menino de origem indígena, quando Evo lhe pergunta o que ele quer ser quando crescer e ele responde: “Presidente”. Num país em que, apesar de dois terços da população se considerar indígena, até 4 anos atrás nunca um indígena tinha sido eleito presidente.

Depois de Lula, um menino pobre, da nordeste ou da periferia das nossas grandes e opulentas metrópoles, com as misérias que as cerca, podem pensar em ser presidentes do Brasil.

O filme é sobre dona Lindú, porque nas famílias pobres, sofridas, a vida da mãe é indissoluvelmente a vida dos filhos e vice-versa. É um belo filme, porque é uma bela vida, tratada com sensibilidade e com afeto. Numa família pobre, o personagem central é a mãe, que cuida dos filhos, os educa, trata de que possam tocar sua vida da melhor maneira, sobre com eles e por eles.

Lula é o filho de dona Lindú, por isso é o filho do Brasil, como homenagem a todas as donas Lindú que batalham, sofrem e riem – como ela ri, numa das cenas mais emocionantes do filme, quando Lula recebe o diploma de torneiro mecânico -, vivem e morrem com e pelos seus filhos.

Têm medo de Lula todos os que têm medo do povo, do povo brasileiro, dos seus personagens – que eles tratam de esconder na sua imprensa, na sua cultura, nos seus discursos. Têm medo de Lula, porque sentem que lhes estão roubando um país que sempre sentiram como seu. De repente um nordestino, imigrante pobre, que perdeu um dedo na máquina, como operário nordestino, promove os direitos de gente como ele, que sempre foi postergada – “inimpregáveis”, segundo FHC, “essa raça”, para Bornhausen.

Vale muito a pena ver o filme. Pelas emoções que ele transmite e para nos darmos conta um pouco mais do que significa Lula ter sido eleito presidente e governar com o apoio de mais de 80% dos brasileiros, especialmente de todos os filhos de dona Lindú.


Postado por Emir Sader às 14:31