20 de março de 2010

VIDA APÓS A II CONFERÊNCIA NACIONAL DE CULTURA

VIDA APÓS A II CONFERÊNCIA NACIONAL DE CULTURA

(Joãozinho Ribeiro)

A II Conferência Nacional de Cultura, realizada em Brasília, de 11 a 14 de março do corrente, sem sombras de dúvidas, foi um marco memorável na história da Cultura Brasileira. A fala de muitos brasis se fez presente, não só nos discursos dos participantes, como nas manifestações de encantamento e solidariedade, que somente o cimento da coexistência humana ainda é capaz de produzir e agrupar.

De tudo um pouco, do muito que é o Brasil, revelado, desescondido, exposto nos quatro dias de debates e encantamentos, fazendo jus ao tema geral da II CNC – “Cultura, Diversidade, Cidadania e Desenvolvimento”. Da abertura emblemática, no Teatro Nacional, que contou com a presença do presidente Lula e um grupo de ministros do primeiro escalão, ao encerramento emocionante, num domingo, já quase às 10 horas da noite, com um público compenetrado cantando o Hino Nacional, de pé, lotando o auditório do Centro de Eventos Brasil XXI.

Em resumidas palavras, diria que foi a “Conferência da Diversidade Cultural Brasileira”. Além da conferência Magna, proferida pelo professor lusitano, António Pinto Ribeiro, um painel integrado, literalmente, por palestrantes das mais diversas procedências: Laymert Garcia (Unicamp), Danilo Miranda (Sesc), Ana Carla Fonseca (Consultora da UNESCO), Chico César (cantor/compositor) e Alfredo Manevy (Secretário Executivo do MinC); cinco mesas simultâneas, debatendo os eixos e sub-eixos da II CNC, uma delas com as ilustres presenças do educador mineiro,Tião Rocha, e do cantor e compositor maranhense, Zeca Baleiro.

O processo como um todo, deflagrado no primeiro semestre de 2009, envolveu 220 mil pessoas, 3.117 municípios, incluindo todas as capitais e todos os estados da República Federativa do Brasil. Não se tem notícia até então de um processo participativo de tal magnitude, provocado por uma conferência pública. Apesar da falta de cobertura da grande mídia nacional, inúmeros veículos da imprensa brasileira se fizeram presente, realizando entrevistas e reportagens sobre o expressivo evento.

Muita gente boa e nova se juntando aos antigos ativistas e militantes culturais propiciaram momentos singulares de descontração, ao mesmo tempo em que tratavam com a maior responsabilidade temas caríssimos para a construção de um marco regulatório para as políticas públicas de cultura do país – “custo amazônico”, Plano e Sistema Nacional de Cultura, PEC 150, reforma da Lei Rouanet, alteração da legislação dos direitos autorais, Vale Cultura, formação e capacitação de artistas, técnicos e gestores culturais, etc.

O resultado da II Conferência Nacional de Cultura já aponta para a consolidação de algumas conquistas e avanços substanciais de outras, como é o caso da aprovação, em caráter terminativo, do Plano Nacional de Cultura pela Câmara dos Deputados, na semana seguinte ao encerramento da Conferência, e a obrigatoriedade do ensino das artes nas escolas brasileiras. Hoje, temos 102 proposições tramitando no Congresso Nacional, entre elas, 8 PECs e 94 Projetos de Lei.

Nesta semana, precisamente no dia 24 de março, às 10 horas, estaremos, na condição de expositor, participando de uma audiência pública na Comissão de Educação, Cultura e Esporte do Senado Federal, cujo objeto será o debate sobre as “Propostas e resoluções aprovadas pela Conferência Nacional de Cultura”. O requerimento de iniciativa da Senadora Fátima Cleide, presidente da referida Comissão, tem como convidados:

- Joãozinho Ribeiro, Coordenador Executivo da II CNC;

- Chico César, Secretário de Cultura de João Pessoa = PB;

- Zeca Baleiro, cantor e compositor;

- Daniel Zen, Fundação de Cultura do Estado do Acre;

- Sandra de Sá, cantora e compositora.

Nesta audiência, teremos então uma excelente oportunidade de compartilhar os resultados da II CNC numa das casas legislativas da mais alta expressão e representatividade da política nacional, onde importantes projetos de lei e propostas de emendas constitucionais tramitam, à espera das devidas aprovações.

Além dos encontros e reencontros, a II Conferência Nacional de Cultura me possibilitou, em particular, a alegria de desfrutar da presença do poeta e velho amigo, Hamilton Faria, coordenador de Arte e Cultura do Instituto Polis, integrante da Rede Mundial de Artistas. Dele, ganhei de presente um exemplar do recém lançado livro “Arte e Cultura pelo Reencantamento do Mundo”, uma obra coletiva assinada pelo próprio e por outros pensadores da cultura brasileira – Pedro Garcia, Bené Fonteles e Dan Baron.

Hamilton Faria participou, como palestrante, da mesa da II CNC “Cultura e Desenvolvimento Sustentável”, abordando o tema “Centralidade e Transversalidade da Cultura”. Sua apresentação foi bastante aplaudida, e é do texto de sua autoria, apresentado ao público, “Apontamentos para uma Agenda XXI da cultura local sustentável” que extraio um pensamento de Mahatma Gandhi, com o qual encerro o presente artigo:

“Não quero que minha casa seja cercada

Por muros de todos os lados e que

Minhas janelas estejam tapadas.

Quero que as culturas de todos os povos

Andem pela minha casa

Com o máximo de liberdade possível”.

17 de março de 2010

Conferência propõe ações integradas nas áreas de cultura e educação

A 2ª Conferência Nacional de Cultura terminou na noite de domingo (14) com 32 propostas prioritárias e quase uma centena de medidas setoriais para nortear as políticas públicas do setor. Nos três dias de encontro foram debatidos temas como valorização e preservação da cultura, democratização do acesso a eventos culturais, acesso à internet e até meio ambiente.

Uma das propostas é articular a política cultural com a política educacional nas três esferas governamentais para elaborar e implementar conteúdos programáticos com disciplinas dedicadas à preservação e difusão da cultura. "Não há possibilidade de desenvolvimento cultural sem levar a cultura e a arte para a sala de aula, não há qualificação da educação sem a presença da cultura, nossos destinos são integrados", afirmou o ministro da Cultura, Juca Ferreira.

Há também itens que tratam da necessidade de regulamentar as profissões na área de cultura e investir na capacitação do trabalhador. Além disso, o documento defende que a implantação de um plano nacional de banda larga contemple as instituições culturais.

As medidas preveem ainda a criação de um marco regulatório para garantir que os Pontos de Cultura se tornem política de Estado. Tratam ainda do Custo Amazônico, definido como a necessidade de dotação orçamentária específica na área da cultura para estados da Amazônia Legal. As propostas abordam ainda a criação de bibliotecas públicas nas zonas urbanas e rurais de todos os municípios e a destinação de recursos do pré-sal para a cultura.

A defesa da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 150 também está entre os itens prioritários. A PEC determina que os governos federal, estaduais e municipais apliquem percentuais de suas receitas na cultura.

Ao todo, foram analisadas 347 propostas por cerca de 2 mil pessoas, dentre as quais artistas, produtores culturais, investidores, gestores e representantes da sociedade de todos os setores da cultura e de todos os estados do país.

Os debates da conferência seguiram cinco eixos temáticos: produção simbólica e diversidade cultural; cultura, cidade e cidadania; cultura e desenvolvimento sustentável; cultura e economia criativa; gestão e institucionalidade da cultura.
Fonte: www.pt.org.br

10 de março de 2010

Compositores potiguares reclamam de direitos autorais desrespeitados

Se você cria uma ferramenta útil às pessoas e registra a patente em cartório, o retorno financeiro é garantido - a cada compra do produto, um percentual chega ao seu bolso. Com o músico ou artista em geral é diferente, pelo menos em pequenas capitais. A patente do músico é o direito autoral. E o responsável pela arrecadação desses direitos autorais é o ECAD. Nos grandes centros da música, os escritórios fiscalizam as execuções das músicas em casas de show, bares, rádios e repassam o dinheiro a músicos célebres: Roberto Carlos, Caetano Veloso... Em estados sem representação efetiva do ECAD, a exemplo do Rio Grande do Norte, compositores ficam à mercê de couvert artístico ou da ação inescrupulosa de fiscais corruptos do ECAD.

O Escritório Central de Arrecadação e Distribuição é instituição privada sem fins lucrativos, de acordo com lei federal e mantida pela atual Lei de Direitos Autorais brasileira. No entanto, produtores e músicos põem em xeque esse princípio, sobretudo em âmbito local onde falta um escritório central para fiscalização adequada às execuções das composições dos letristas e músicos potiguares. A fiscalização - quando há - se limita à cobrança de valores negociados entre proprietários de estabelecimentos comerciais e fiscais, sem qualquer critério. São valores que giram normalmente entre R$ 150 e R$ 300 aos bares, hotéis e restaurantes que promovem música ao vivo com artistas locais. E absolutamente nada é repassado ao músico.

A forma correta, segundo versa a Lei dos Direitos Autorais, seria o pagamento de R$ 40 para cada composição executada, desde que ela seja registrada em gravação. Se essa música toca dez vezes na rádio, por exemplo, o compositor deveria receber R$ 400 ao fim do mês. Se um cantor interpreta uma composição de Pedrinho Mendes em um bar, restaurante, o ECAD deveria repassar R$ 40 reais ao compositor. Nada disso acontece no Rio Grande do Norte. Apenas a cobrança por fiscais do ECAD de taxas negociadas feito mercado negro junto aos donos dosestabelecimentos. E os músicos se perguntam: se o dinheiro não chega para nós, para onde vai?

A maioria dos compositores e produtores prefere o anonimato com medo da marcação do ECAD em casas de shows onde trabalham. "É um absurdo o que acontece. Melhor eu nem reclamar porque ficou negociado apenas em R$ 140 a taxa cobrada. Se reclamar eles podem aumentar", pondera um produtor. Bandas independentes com trabalho autoral reclamam da cobrança indevida de fiscais do ECAD. Segundo a lei, elas estão isentas de pagamento, cabendo a responsabilidade ao proprietário do estabelecimento onde ela se apresenta. Uma ainda sofreu deboche cheio de gargalhadas de um fiscal do ECAD - via Twitter - após efetuar o pagamento mediante pressão do fiscal.

Sem retorno financeiro, praticamente todos sobrevivem de outras profissões e têm nos shows noturnos em bares e restaurantes um complemento salarial a partir do couvert artístico ou cachê em torno de R$ 100 a R$ 150 por noite. Nem mesmo a única rádio que toca música potiguar repassa direitos autorais aos músicos. "Ela é Federal; o governo não paga. Mesmo assim, só há cinco capitais no país dotadas de rádio escuta do ECAD. Elas passam o dia escutando as músicas em todas as emissoras do estado, registram e pagam os direitos. Se minha música tocar hoje em São Paulo eu recebo aqui depois de 30 dias, porque lá eles fiscalizam", reclama o compositor potiguar Nazareno Vieira.

Ele reclama da necessidade de buscar emprego após cinco décadas de carreira. "O que seria de Babal e Mirabô sem o emprego na Fundação José Augusto? Somos compositores que trabalhamos uma composição mais refinada. Há os que fazem música para Carnaval, São João, os cantores de forró que conseguem dinheiro nessas épocas. Nós, não. Fazemos shows prives em restaurantes", revela.

Por Sérgio Vilar, do DIARIO DE NATAL

6 de março de 2010

Última entrevista de Jesiel Figueiredo. Concedida a Sandro Fortunato em abril de 1994

Última entrevista de Jesiel Figueiredo. Concedida a Sandro Fortunato em abril de 1994, quatro meses antes de sua morte. Originalmente publicada na revista RN Econômico, edição 284, em 16 de abril de 1994.

L’ENFANT TERRIBLE

A boca maldita do teatro natalense está de volta. Depois de alguns meses em companhia de seus bodes e galinhas, ele volta à imprensa um pouco mais comedido, mas sempre com as agulhas prontas para espetar. Entusiasmado com o seu trabalho no Teatro do Sesi e prestes a lançar um livro sobre sua vida, uma das mais inteligentes figuras da arte em Natal, o ator e diretor Jesiel Figueiredo fala — numa manhã chuvosa, numa pequena sala do Teatro Sandoval Wanderley — sobre seus planos, seu exílio voluntário, seus amores e desafetos, sua prisão durante a ditadura e, é lógico, sobre sua grande paixão: o teatro.

Só tem uma coisa que ele não revela sob hipótese alguma: sua idade. “Tenho a idade de meus personagens”, ele diz. E o que você fazia antigamente? “Antigamente eu não era nascido”, diz o espirituoso Jesiel.

O que você está fazendo atualmente?
Eu estou fazendo O marido da fidalga, um infantil, e o Teatro do Sesi, que eu acho a coisa mais importante que se faz aqui no estado. Há 22 anos, a companhia foi fundada e vem oferecendo ao operário da indústria um enriquecimento cultural. Nós passamos de Dias Gomes, França Júnior, Coelho Neto a Shakespeare, Ariano Suassuna, ...

É o Sesi que diz que autores devem ser encenados?
Não. Desde o início, o repertório foi escolhido por mim. Eu comecei querendo dar a informação do que era teatro brasileiro. Eu comecei com Como se faz um deputado, de França Júnior, depois a gente entrou com Lauro César Muniz, que já mostra costumes do interior paulista e fomos alternando até chegar a outros autores e diretores como Boal e Guarnieri.

Como começou esse trabalho?
Quando nós começamos foi como uma coisa bem popular e viemos melhorando isso até chegarmos a uma linguagem mais rebuscada, até porque o operário vem acompanhando o processo, até que eu encenei um Moliére. Foi uma recepção maravilhosa, tanto aqui quanto no interior. Nós apresentamos em cidades como Caicó e Mossoró, até outras pequenas como Caiçara do Norte, onde o pescador foi assistir, de sandálias ou descalço, e no fim todo mundo entendeu. E eles nunca tinham visto teatro.

Como foi o primeiro contato?
O primeiro contato foi fascinante. Apavora, às vezes, pois a gente vê aquela multidão de pessoas. Nós já nos apresentamos para duas mil pessoas. Felizmente o local tinha acústica, as paredes funcionaram, Deus ajudou. Mas a gente precisava ter uma conversa, para dizer ao público, antes, o que eles vieram assistir, porque eles estavam ali convidados pela prefeitura, pelo Sesi. Em cinco minutos, isso está resolvido. E o comportamento deles é maravilhoso, exemplar.

Você prefere encenar para esse público do que para um público mais erudito?
Não é que eu prefira, é que Natal não tem “um público mais erudito”. Natal teve uma elite, não tem mais.

Quando?
Sei lá. Eu acho que quando eu era criança, quando eu comecei no teatro. Nós sabíamos a quem levar a peça. Nós fazíamos só três dias e já sabíamos quem eram as famílias que comprariam os camarotes, as que comprariam as frisas e as que comprariam poltrona. Então, antes da peça estrear, nós já havíamos vendido isso. E essas pessoas não só compravam, ela iam ao teatro. Então eu arriscava montar um Hamlet, montar um Calígula, porque tinha um público para isso. Hoje eu não quero mais montar um espetáculo para levar três dias. Menos de 30 apresentações, eu acho uma sacanagem com o ator porque você não tem tempo de amadurecer o personagem nem sentir bem a peça. E aquele público foi desaparecendo.

Quem é o público de teatro hoje?
O público de teatro hoje é muito pouco. O universitário não vai. Os colégios particulares deveriam ser como nos países civilizados e unir educação e cultura. Aqui são duas coisas separadas. Eu tenho um interesse muito grande em conquistar o público adolescente. Eu tenho o teatro infantil. O Teatro Infantil Jesiel Figueiredo é uma marca, nós não precisamos de propaganda nem de nada. Agora mesmo, nas comemorações dos 90 anos do Teatro Alberto Maranhão, nós tivemos uma prova disso. A maior quantidade de público para um espetáculo local foi nosso. Mas há uma carência muito grande. Quando o menino tem 9 ou 10 anos ele me abandona e fica só, pois não tem mais quem faça teatro para ele.

E essa decadência do público começou quando e por que?
Não sei se foi por falta de continuidade... Houve uma época em que eu estava praticamente só fazendo teatro. Outra coisa: a chamada “elite”, eu abandonei quando fui para o Teatro do Sesi. O Teatro do Sesi foi - e hoje ainda é - um pouco esnobado pela própria classe. Alguns colegas de teatro ficaram estarrecidos porque eu estava me “misturando com o operariado em cima do palco”. Veja a cabeça das pessoas! Como eu resolvi que, daí em diante, eu me “misturaria” mais ainda, hoje eu não perco oportunidade nenhuma de aparecer numa peça do Sesi.

E quem eram essas pessoas?
Gente muito pequena. Morreu, desapareceu.

E o que está se fazendo de bom, atualmente, no teatro aqui em Natal?
Sem nenhuma esnobação ao movimento, eu não estou lendo jornais desde dezembro. Pelo que sei, está se fazendo alguma coisa, eu resolvi me desligar da realidade local. Eu estou muito cansado. Há quinze anos não tenho férias. Comecei a precisar de neurologista, logo eu que sempre fui auto-analisado, precisei de um cara para ver porque eu estava tremendo tanto. Eu estava à beira de um colapso. Eu resolvi me poupar.

E por que você não se dá férias?
Porque não foi possível. Eu fui acumulando um excesso de atividades e eu não quero pará-las de repente. Eu tenho uma necessidade compulsiva de trabalhar, muito neurótica.

Você assiste as montagens de outros diretores locais?
Assisto. Mas a minha cabeça tem uma necessidade seletiva muito grande. Então, às vezes, eu iria para me aborrecer. Então eu prefiro não ir. Dou uma desculpa e não vou. Eu prefiro ver um bom filme no vídeo do que sair para ver um espetáculo ruim.

E o nível dos atores aqui em Natal? Tem surgido algum talento promissor?
Tem surgido muito pouca gente. Pelas coisas que eu vi, não tem surgido nenhum “talento” que chamasse a atenção. Não tenho visto um desbunde de ator. Lamento. Mas essas coisas não acontecem todo dia.

E sua vida fora dos palcos?
Estou revendo a História do teatro português. Inclusive tem um primo meu, Roberto Figueiredo, que está fazendo uma pesquisa da nossa árvore genealógica e descobriu a origem nobre da família. Mas, nobreza à parte, foi uma surpresa para mim, descobrir que, em vários séculos, tem um Figueiredo no teatro português, atores e encenadores. Vários Figueiredo. Nenhum notável, mas ficaram na História.

O que mais?
Bem, no ano que eu perdi o Teatro (92), eu também perdi o meu pai. Foi uma porrada dupla. Foram duas cajadadas num só coelho. E, de lá para cá, eu estou muito neurótico, mas até que eu controlo a neurose. Ela é muito bem administrada. Mas as pequenas alegrias, as pequenas coisas da vida — conversar com meu cachorro, por exemplo — valem muito mais do que um jantar em um local sofisticado ou sei lá o que. Nós nunca fomos ricos, mas minha mãe nos deu uma educação muito esmerada.

E isso levou a que?
Isso resultou em um refinamento natural. Eu não gosto de baixarias. Mas, por outro lado, eu não tenho nenhuma frescura. Uma vez uma estrelinha teatral me criticou porque saiu uma foto no jornal onde eu aparecia sentado naquele boteco do Teatro Jesiel Figueiredo, de bermuda, camiseta, cervejinha e com um cigarro na mão. Ela achou que eu era uma estrela do teatro e que eu não deveria descer ao ponto de sentar em um boteco e tomar uma cerveja. Eu adoro boteco, adoro cerveja e adoro cigarro. Que estrela é essa? Eu não sou estrela, sou gente.

E no trabalho, esse seu jeito ajuda ou atrapalha?
Tem personagens que a minha natural sofisticação, claro que trabalhada por mamãe — dizem que lá em casa todo mundo é metido à besta; não somos metidos não, somos bestas mesmo. Mas somos todos muito simples, graças a Deus —, quase me impede de fazer. Quando eu vou fazer um Zé do Burro, minha sofisticação me incomoda, porque o Zé do Burro é um homem do povo, pisa diferente, gesticula diferente. Para mim, quanto mais sofisticado o personagem, melhor. Representar Moliére, para mim, é um prato cheio.

Você acha que a classe teatral ainda lhe vê como alguém que faz teatro para o povo, uma espécie de teatro marginalizado?
Não. A cidade é muito generosa comigo. Mesmo porque eu incomodo muito pouco. Acho que eu sou uma espécie de representantes deles. Quando se procura uma referência de teatro, cita-se meu nome. Eles se veêm na obrigação de admitir isso, mas eles gostariam que eu não existisse, com certeza. É aquela coisa da inveja, de cidade pequena, de que muita gente pensa de que para ter um lugal ao sol, é preciso tirar o seu. Isso é muito ruim.

Você já sofreu algum tipo de boicote?
De repente, tem uma fundação cultural e um grupo eleito por essa fundação — não estou falando atualmente — fica ali por quatro anos e fazem só os seus trabalhos. Não estou falando agora. Mesmo porque Iaperi Araújo sempre deu o maior apoio à cultura.

Por falar em boicote e policiamento, o que você estava fazendo há trinta anos, quando estourou o golpe militar: Você sofreu alguma perseguição?
Bem, eu usava o seguinte truque. No ensaio geral — que tinha sempre alguém da censura para saber o que podia passar ou não —, nós não interpretávamos, apenas dizíamos o texto. Então se eu tenho que dizer uma fala “Achas que um militar possa ser inteligente?”, e eu falo assim, normalmente, passa. Eles viam lá escrito, achavam que eu não ia dar reforço nenhum e no dia do espetáculo a gente fazia como queria.

Aconteceu algum episódio interessante nessa época?
Aconteceu uma coisa interessante comigo que seria cômico se não fosse trágico. Eu estava ensaiando A prostituta respeitosa, de Sartre, logo quando estourou a coisa. Estava em fase final de montagem. Nós só tínhamos uma atriz na época e a peça só tinha um papel feminino, então resolvemos encená-la. Eu fui chamado pelo exército para perguntarem porque eu estava montando A prostituta respeitosa. Eu disse e eles me perguntaram: “O senhor sabe quem é Sartre?” E eu disse que sim. Eles perguntaram: “E o senhor sabe qual é a posição política dele?”, “Sei”. E a coisa foi nesse nível até chegarem ao problema do preconceito racial, pois tem um negro na peça que é injustamente acusado de um assassinato. “O senhor sabe que a peça trata de racismo?”, “Sei”, “E o senhor sabe que falando mal dos Estados Unidos, o senhor está favorecendo a Rússia?”, e eu disse “Não”. Pois “aconselharam-me” a guardar a peça no baú imediatamente.

E o que você achou disso?
Eu achei uma graça. Eles foram prender Sófocles no Rio. “Onde é que mora?” E absurdos assim. Atos de extrema burrice. Eu fiquei na minha e consegui fazer porque fazia teatro pelo teatro. Eu acho que fazer teatro já é um ato político. Eu fui muito patrulhado por isso. Na época, por não fazer comício, a turma que fazia me patrulhava horrores. Só que, quem me patrulhava, hoje está mamando nas tetas do poder e não quer nem saber a cor da vaca. Mamando e sobrevivendo às custas disso.

Quem são essas pessoas?
São múmias aposentadas. E eu continuo sendo l’enfant terrible que, uma vez ou outra, diz umas coisas que abalam todo mundo. Os esquerdistas fizeram o maior barulho para liberarem os textos de Vianinha, depois disso, cadê que montaram Vianinha? Aí vem o Sesi e obriga a lembrar, porque quem quiser concorrer a 15 mil dólares tem que montar Vianinha. Nelson Rodrigues era esnobado aqui, com cinco textos dele em estudo no ano passado. É uma loucura. Eu não ligo. Essas coisas passam.

Você acha que eles ainda lhe veêm como a boca maldita do teatro em Natal?
Não sei. As cabeças coroadas tem medo de mim porque elas acham que eu empano o brilho delas. As cabeças burras. As inteligentes não.

E como é o seu relacionamento com o poder?
Eu tenho uma atitude humilde. Se você é meu chefe, eu passo sempre para você a peteca. Se alguém vem me entrevistar sobre o prêmio Sesi de Teatro, eu falo “não, vá entrevistar o superintendente, o assunto não é comigo”. Normalmente, ele, como uma pessoa inteligente, manda me chamar e entrega o jornalista na minha mão. Tem pessoas que se assustam com isso.

E fora do teatro, quais seus planos?
Fora do teatro, eu pretendo somente criar meus bodes, o que está dando muito certo. E tem a história do livro. Eu tenho um dossiê. Quando eu fui preso, o que é uma outra história para contar no livro...

Por que você foi preso?
Eu fui preso como “dono de antro de homossexuais, traficante de drogas, toxicômano, corruptor de menores” e mais algumas coisas, em 65. Em setenta e duas horas me soltaram dizendo que eu não era nada disso, mas a imprensa já havia dito que eu era. O processo foi arquivado por falta de provas. Mas isso me valeu demais, porque me fez crescer. Porque eu era filhinho de papai e de mamãe e de repente descobri que era um adulto. Setenta e duas horas de cadeia deixa qualquer um bom da cabeça ou faz pirar de vez. Eu não pirei, fiquei bom. Curadinho. Descobri que tinha crescido, descobri que não era mais criança e era responsável pelos meus próprios atos. Papai não podia ficar lá na cadeia no meu lugar. Mas eu fiquei com uma paranóia de gente rica, daquelas que tem analista. Então, preocupado com as pessoas que me acusaram e não conseguiram provar nada, eu comecei a fazer um dossiê e mandar cópias para cinco amigos meus. Isso virou uma terapia.

E o livro vai trazer o nome dessas pessoas?
Não. O livro não é para isso, para dedurar ninguém. Vão constar alguns nomes, lógico. Mas eu acho que a minha experiência teatral é que deve ser estudada pelos outros. Se não servir para nada, pelo menos que sirva para que façam o contrário do que eu fiz. É claro que eu não posso dissociar a minha vida particular da profissional. Eu faço teatro com muita paixão e normalmente os melhores espetáculos que eu fiz foi apaixonado ou com raiva de alguém. Eu já dediquei meu sucesso a muita gente safada. Mas eu não quero fazer um livro para ficar bagunçando a vida das pessoas, dizendo quem dormiu comigo. Eu acho isso de uma deselegância terrível.

Você está apaixonado agora?
Agora eu estou. Aliás, sempre estou. Eu acho que vou morrer velhinho, apaixonado por alguém..

<blockquote>Site Memoria viva

Viva Ziraldo!

5 de março de 2010

Graças ao esforço da FJA o RN estará presente em todas pre-conferências nacionais




A II Conferência Nacional de Cultura, a ser realizada entre 11 e 14 de março, traz uma novidade em seu processo preparatório. Além dos debates realizados nos municípios e estados, representantes de 19 setores artísticos e culturais irão incluir no documento final da conferência os temas de interesse de seu segmento. Cerca de 1,3 mil pessoas estarão reunidas em Brasília entre os dias 7 e 9 de março nas Pré-Conferências Setoriais para discutirem e votarem as propostas. A abertura será no domingo, às 19h, no Museu Nacional Honestino Guimarães (Esplanada dos Ministérios), com a participação do ministro da Cultura, Juca Ferreira.

Além das contribuições para a II CNC, os delegados irão também propor diretrizes para os planos setoriais de cultura, que integram o Plano Nacional de Cultura, em tramitação no Congresso Nacional. “O sucesso da Conferência Nacional depende do sucesso das pré-conferências”, afirma o ministro Juca Ferreira. A consolidação das abordagens dessa gama tão diversa de questões, de acordo com ele, garante que no momento da Conferência os pontos de vista dessas áreas já estarão estruturados para a discussão.

As atividades das Pré-Conferências começam na segunda-feira, dia 8, a partir das 9h, nas tendas armadas no gramado central da Esplanada dos Ministérios, em frente ao Museu Nacional. Veja os setores que se reunirão em Brasília:

Arte Digital
Dança
Arquitetura
Livro, leitura e literatura
Artesanato
Música
Artes Visuais
Moda
Circo
Teatro
Cultura Indígena
Patrimônio Material
Culturas Populares
Patrimônio Imaterial

Cinco outros setores - audiovisual, arquivos, culturas afro-brasileiras, design e museus - já realizaram suas pré-conferências entre 24 e 28 fevereiro. Veja os detalhes das propostas. Na opinião do coordenador das atividades, Maurício Dantas, a qualidade do que foi apresentado nessa primeira rodada mostra o amadurecimento do debate dos setores. “Com essa participação, a cultura dá passos importantes no sentido da consolidação de suas políticas”, diz.

Este momento marca também o início das relações institucionais do Ministério da Cultura com três áreas: moda, arquitetura e design. As produções dessas áreas passam, definitivamente, a ser consideradas manifestações da identidade brasileira e por isso devem ser contempladas nas ações do próprio MinC e de outras instituições que fomentam e apoiam a cultura.

Conselho Nacional - Além das propostas, os delegados das Pré-Conferências Setoriais vão eleger seus representantes para compor o Conselho Nacional de Políticas Culturais (CNPC). Reestruturado em 2005, o novo órgão colegiado da estrutura básica do Ministério da Cultura possui 46 titulares (dos governos, dos segmentos artísticos e outros representantes da sociedade civil) com direito a voz e voto, e seis convidados com direito a voz.

Sua finalidade é propor a formulação de políticas públicas, com o objetivo de promover a articulação e o debate dos diferentes níveis de governo e a sociedade civil organizada. Entre suas competências estão acompanhar e fiscalizar a execução do Plano Nacional de Cultura; estabelecer as diretrizes gerais para aplicação dos recursos do Fundo Nacional de Cultura; apoiar os acordos para a implantação do Sistema Nacional de Cultura.

Os nomes dos escolhidos para ocupar assento no CNPC devem ser anunciados também durante a realização da II Conferência Nacional de Cultura.

Serviço

Domingo, 7 de março, às 19h
No Museu Nacional Honestino Guimarães, abertura das Pré-Conferências Setoriais de Cultura com a presença do ministro da Cultura, Juca Ferreira

Segunda-feira, dia 8, às 9h,
Início das atividades nas tendas armadas no gramado central da Esplanada dos Ministérios

Credenciamento da Imprensa será realizado no local, no guichê de convidados.

Informações para a Imprensa: (61) 2024-2223, com Ismália Afonso, da Ascom SPC/MinC.

4 de março de 2010

BIG BROTHER BRASIL Uma breve crítica

Por Miguel Machado em 2/3/2010
Reproduzido do Via Política, 20/2/2010

Suspendendo considerações mais profundas sobre a qualidade do entretenimento de programas como o Big Brother Brasil, e sentindo-me autorizado a comentar, a partir desta suspensão, parte da dinâmica deste reality show, noto que sua principal atração, o grupo humano artificialmente constituído e submetido à convivência, perde pouco a pouco – ou programa a programa – as características naturais de um grupo, assumindo mais a feição de um mero ajuntamento de individualidades herméticas.

Com efeito, se nas primeiras edições a presença de regras claras e imutáveis funcionava dentro da "casa" como referência válida para a intersubjetivação, isto é, para a constituição de relações que, apesar de precárias, possuíam alguma estabilidade, nas últimas o que se vê é a tentativa de potencializar o show em detrimento da reality; portanto, em detrimento do interesse natural que os grupos humanos despertam nos grupos humanos.

Fazem isto confiando no poder midiático alcançado pelo programa que, iludido por uma fantasia de onipotência, dá fim ao regime de regras estáveis, instaurando deste modo a impermanência dos parâmetros normativos, o que gera um processo radical de emulação e impermeabilização dos espíritos. Num tal ambiente, as pessoas, isoladas, não se agrupam ou consolidam posições, mas apenas se esbarram.

Todos contra todos

Antes, os grupos no Big Brother se formavam encontrando formas de driblar o caráter dissolvente das regras em vigor, alcançando assim uma estabilidade que tornava possível uma convivência e uma rivalidade naturais. Tal estabilidade deixava clara a existência de uma ética subjacente, própria ao grupo e efetivada por condutas implícitas. Contrapondo-se a ela, entrava em cena o profético apresentador que denunciava esses implícitos como sem sentido, dispensáveis ou autoritários, e o fazia com tanto mais força quanto mais fortes se tornavam. De modo que um ou outro participante, encorajado pelo "Bial", terminava por romper o pacto silencioso, incendiando o convívio. O preço pago era alto: o grupo o excluía, julgava e condenava ao "paredão". Condenação não necessariamente injusta, mas coerente com o código implícito determinado pela maioria – código democrático, portanto.

Mas como a democracia é a única forma de governo autorizada a julgar a democracia, o "povo" fazia aí a sua parte, obrigando os julgadores a sentirem o peso daquilo que eram: a maioria. Assim julgados, os integrantes do grupo eram levados a reavaliar e, às vezes, corrigir sua conduta.

Havia, assim, e nos primeiros programas, uma dinâmica e um conflito até certo ponto naturais entre indivíduo e coletividade. A estratégia usada pelo programa contra as coligações era legítima, porquanto as regras e as demais intervenções intentavam reforçar o individualismo na medida da opressão do coletivismo, não dando a ele, individualismo, o poder esmagador que tem hoje. Com efeito, seu poder hoje é tão notável, que ninguém mais quer ser "grupo", todos querem ser indivíduos heróicos, capazes de lutar e serem emparedados em nome de sua alentada "fortaleza" interior. Mas lutar contra o quê, se não há maiorias homogêneas contrapondo-se? Não à toa se observa, pateticamente, a preocupação de cada participante em denunciar a presença de um grupo que o oprime. Resultado: é a guerra de todos contra todos, como a entendia Hobbes.

Dramas mais convincentes

Impedidos de produzirem um grupo legítimo, não conseguem, por sua vez, produzir um herói legítimo. Se antes ganhava o programa aquele sujeito capaz de superar seus dramas e viver uma epopeia televisiva, hoje não se sabe bem por que ou como ganham os que ganham. Com efeito, não se veem mais dramas ou epopéias – há somente uma comédia pastelão: entretenimento vazio.

Pois bem. Considerando que o caráter épico ou histórico da existência humana se desenvolveu sobre os dramas e tragédias da vida privada, podemos dizer que havia no Big Brother, apesar do histrionismo próprio ao programa, um quê de humanidade e civilização sadiamente desenvolvido, resistente à onda que hoje tende a "avatarizar" os seres humanos, avaliando-os segundo as próteses tecnológicas que são capazes de possuir e manejar.

Uma evidência do contrário, ou seja, de que antes o humano terminava por sobrepujar e singularizar o tecnológico, materializava-se no fato de os integrantes da "nave" chegarem a nitidamente esquecer, aqui e ali, a existência de câmeras, microfones e presenças outras que não a de suas próprias neuroses. Seus dramas (apaixonantes) eram em regra muito mais convincentes do que os observados agora.

Um bando de espantalhos

O que se vê hoje, através das incansáveis intervenções do big fone, das divisões de todo tipo, dos quartos secretos, dos paredões surpresa etc., é a impossibilidade de os participantes esquecerem que estão sendo filmados e que fazem parte de um show, o que acarreta um extraordinário aumento do histrionismo, caracterizado pelo artificialismo geral das condutas, agora apenas performáticas. Se antes o programa conseguia, ao menos em alguns momentos sensíveis, reproduzir a típica estrutura dos conflitos humanos, hoje ele nada reproduz: é, simplesmente, desagregador, mesmo estúpido.

Talvez o Big Boss tenha considerado a estratégia anterior demasiadamente humana, coisa que permitia aos participantes, não de direito, não conscientemente, mas de fato, controlar o tempo dos acontecimentos. Mas a humanidade foi neutralizada e atualmente os sujeitos no Big Brother sequer têm condições de constituir algo muito natural num grupo humano: tempo próprio, cultura comum. De fato, aos integrantes da "casa" não é mais dado o direito de lutarem juntos contra a arbitrariedade do "seu mundo", mutilação que os escraviza ao cada-um-por-si da ausência de regras e os impede, por isso, de consolidar qualquer união.

Sendo um bando de espantalhos, parecem reproduzir à perfeição a sociedade midiática de hoje. Mas não, eles não a reproduzem como pensam, e por isso não merecem a audiência que, por inércia, ainda têm. Não é por acaso que anunciam esta como a última edição do programa. Será?