18 de junho de 2012

Projeto 10 Dimensões volta a Natal com discussões sobre tempo e manipulação de dados, imagens e sons

Experiências da Dimensão Tempo Projeto 10 Dimensões volta a Natal com discussões sobre tempo e manipulação de dados, imagens e sons Nos dias 21 e 22 de junho o IFRN Cidade Alta será palco mais uma vez do projeto 10 Dimensões. Com palestras e mesas-redondas a décima oitava Dimensão, que traz como temática o “Tempo” irá privilegiar a apresentação e discussão de trabalhos que reorganizem em sua poética a dimensão do tempo através da manipulação de dados, imagens e sons, possibilitando a experiência de tempo alterada, intensificada ou atual através do tempo intenso e presente das novas tecnologias. Entre os convidados para esta dimensão estão o artista Caetano Dias (BA), a artista e pesquisadora em dança e tecnologia Prof. Dra. Ivani Santana (UFBA) e o pesquisador e artista Dr. Luiz Naveda (MG). O Prof. Dr. Adriano Charles da Silva Cruz, do Departamento de Comunicação Social (UFRN), mediará a mesa-redonda. O evento faz parte do Projeto na área de Arte e Tecnologia – “10 Dimensões: Diálogos em rede, corpo, arte e tecnologia”, realizado em parceria entre UFRN, UFPB, IFRN e FAPERN. As inscrições são gratuitas e também podem ser realizadas online. PROGRAMAÇÃO Quinta | 21 | 17h30 Palestra com o artista Caetano Dias: "Estratégias para Perda de Sentido" Palestra com a Profa. Dra. Ivani Santana (videoconferência): "Dança Telemática = outro Tempo no Ciberespaço" Palestra com o Dr. Luiz Naveda: "Tempo, dança, música e outros pontos cegos da mesma experiência" Sexta | 22 | 17h30 Mesa-redonda "O tempo nas poéticas tecnológicas" Participação de: Caetano Dias (BA), Luiz Naveda (MG) e mediação de Adriano Charles da Silva Cruz (UFRN). CONVIDADOS Caetano Dias (BA) É um dos mais importantes artistas da Bahia e do país, com produção na área de vídeos entre eles duas obras que tratam do tempo enquanto perda e memória do que foi perdido em Águas e 1978- Cidade Submersa. Ivani Santana (UFBA) É coordenadora do Grupo de Pesquisa Poéticas Tecnológicas (UFBA), que investiga as possibilidades estéticas da dança telemática, realizando espetáculos entre grupos de vários locais e cidades, atuando em tempo real e envolvendo transmissões por telepresença. Tem ainda um trabalho que envolve o delay (lapso de tempo entre um lugar e outro durante as transmissões) onde ela trata dessa diferença temporal artisticamente. Vídeos: Versus; Delay Luiz Naveda (MG) Apresentará sua investigação sobre o movimento do corpo e música, além de trabalhos autorais em arte e tecnologia, dentre outros. É parceiro do Grupo Poéticas Tecnológicas, da área de dança telemática da UFBA. -- Serviço 10 Dimensões – Dimensão Tempo Dias 21 e 22 de junho de 2012, a partir das 17h30 Auditório IFRN Cidade Alta – Av. Rio Branco, 743. Informações e inscrições: (84) 4005-2665 www.10dimensoes.net -- IFRN Campus Natal Cidade Alta Avenida Rio Branco, 743 - Cidade Alta www.ifrn.edu.br/natalcidadealta (84) 4005-0950

16 de junho de 2012

UM ANO DE MORTE DE EDNALDO

Nota: UM ANO DE MORTE DE EDNALDO Nesse dia 15 de junho está fazendo um ano do assassinato de Ednaldo Filgueira, blogueiro e presidente do Diretório Municipal do PT de Serra do Mel. A forma bárbara e covarde como Ednaldo foi assassinado, com seis tiros à queima roupa, chocou o Rio Grande do Norte e teve repercussão nacional e até internacional. Na verdade, Ednaldo foi o primeiro blogueiro do Brasil assassinado e sua morte foi um ataque à liberdade de imprensa. Os que o mataram, executores e mandantes, acreditam na impunidade e na existência de uma terra sem lei. Ao direito de opinião eles respondem com a força bruta. Quando o amedrontamento e a coação não resolvem, entra em cena a eliminação física. O assassinato de Ednaldo foi investigado pelas polícias civil e federal e a conclusão é que o crime teve motivação política. O prefeito do município, Josivan Bibiano, foi indiciado como autor intelectual do homicídio, inclusive chegando a ficar preso por 10 dias, mas conseguiu a soltura e responde ao processo em liberdade. Os executores estão presos enquanto aguardam julgamento. A família de Ednaldo, seus amigos, companheiros, o povo da Serra do Mel, o movimento nacional de Blogueiros Progressistas, a sociedade civil organizada e a direção do PT exigem do Tribunal de Justiça agilidade no julgamento dos acusados e a conseqüente condenação pelo crime que cometeram contra um jovem de apenas 36 anos, que trabalhava incansavelmente em defesa dos direitos humanos, da liberdade de imprensa e do direito à vida em sua plenitude. Na próxima semana estarei renovando expedientes anteriormente enviados ao Ministro da Justiça, à Ministra Nacional dos Direitos Humanos e aos organismos representativos dos profissionais de imprensa e defensores da liberdade de expressão, no sentido de que os mesmos se incorporem à cobrança pela agilidade desse julgamento. O nosso mandato está apresentando projeto de lei instituindo o dia 15 de junho como Dia Nacional dos Blogueiros e Blogueiras, acatando proposta do Movimento Nacional de blogueiros progressistas, numa homenagem a Edinaldo e a todos esses profissionais que fazem a imprensa realmente livre e independente desse país e por isso mesmo sofrem todo tipo de ameaças, perseguições e até execuções. Aproveito para enviar minha solidariedade à família de Ednaldo. Em nome dos seus pais, Miguel Francisco e Maria do Socorro, que sofrem até hoje a perda do filho querido e exigem justiça. -- Assessoria de Imprensa Dep. Federal Fátima Bezerra - PT/RN Heldon Simões - (84) 8708.4255 / 9643.3191| 3222.1313 Pedro Filgueira - (84) 8899.7236

Anatalía Alves, Heroína do povo Potiguar

Ela nasceu no interior de Mossoró, no Rio Grande do Norte, na cidade de Martins (região serrana do Estado), em 9 de julho do ano de 1945. Recebeu o nome de Anatália, uma espécie de equívoco ortográfico, que evidencia a pouca escolaridade dos pais, ou do tabelião. Coisas do interior, de um Brasil tão diverso e gigante, que quando se diz Natália no Sul, ecoa no Norte como Anatália e assim fica sendo. Logo, quando tinha apenas cinco anos, a família se transferiu para Mossoró, onde ela fez o curso primário, o ginásio e, por fim, cursou o científico, concluído em 1967. Trabalhava durante o dia, na Cooperativa de Consumo Popular, para estudar à noite. Em 1966, um ano antes da formatura, se apaixonou e iniciou namoro com um bancário, Luiz Alves Neto, emprego fixo no Banco do Brasil. Dava para se casar, e assim o fizeram, em 1968. Parou de trabalhar fora de casa, dedicando-se à atividade de costureira. A vida seguia sem sobressaltos, casa popular comprada pelo financiamento do Fundo de Habitação Popular do Estado de Pernambuco (FUNDHAP), louça e mobília. Certo dia, em 1969, Luiz chamou-a para uma conversa séria. Precisavam deixar a cidade, onde ele se sentia mal visto. Anatália questionou, quis entender melhor a decisão da transferência repentina. Neto, porém, só revelou suas ligações com o PCBR e seu papel de liderança nas Ligas Camponesas na noite do embarque. Por decisão do partido, daquele dia em diante iriam para Pernambuco. Anatália vivia seu amor pelo marido e seguiu à risca as suas orientações. Ficou na casa dos pais o tempo suficiente para vender louça e mobília – com o que arrebanhou pouco mais de “um mil cruzeiros novos” – e esperou o aviso de seguir viagem ao encontro de Luiz. Dez dias depois recebeu uma carta do marido, dizendo que estava à sua espera em Natal. Ela embarcou às seis da manhã e juntos seguiram para Pernambuco. Era dezembro de 1969 e Anatália partira para uma vida totalmente diferente da rotina pacata de dona de casa, que vivera até então. Agora atendia pelo codinome de “Marina” e dividia um “aparelho” com “Maia”- nome adotado por Luiz, seu marido -, “Alex” e “Adriana”. Anatália havia se transformado, por amor, em uma militante de esquerda. Aos olhos do governo militar de então, numa “terrorista”. Muitos “aparelhos” depois, o casal foi designado para uma casa próxima ao Esporte Clube do Recife. A máquina de costura foi trocada pela de escrever. Os moldes para as roupas que costurava, por manifestos. Anatália podia não ter formação política, mas seguia à risca as orientações do marido e seu grupo, no enfrentamento ao regime militar. Na luta, foi adquirindo consciência do que se passava à sua volta. A movimentação da casa, sempre com, no mínimo, três moradores, no entanto, chamou a atenção da vizinhança. No dia 13 de dezembro de 1972, o casal foi preso junto com o militante José Adelino Ramos, o “Lino”, detido em frente ao ponto marcado nas imediações da churrascaria “Gaiola de Ouro”. Os presos foram levados, segundo descrição contida em jornal da época, fornecida pela Secretaria de Segurança Pública de Pernambuco, para “local desconhecido”. Pode-se imaginar pelo que passaram até serem transferidos para a sede da Secretaria, o DOPS local, em 15 de janeiro de 1973, conforme o prontuário nº 38.216, daquela delegacia. Ali, depois de devidamente fichados e de darem entrada oficialmente como presos sob a custódia do Estado, voltaram a ser barbaramente torturados. Anatália levava uma bolsa de couro marrom, arrematada por franjas, contendo uma carteira de trabalho falsa e uma identidade também falsa (nº 79.028), em nome de Maria Lucia dos Santos. Tinha, ainda, 20 cruzeiros e trinta centavos, e as chaves de casa. Tamanho trabalho de “convencimento” os levou, a ela e o marido, a redigir, de próprio punho, depoimentos detalhados confessando suas participações nas atividades do PCBR. Não omitiram nomes, pontos, nada, rendidos pela ação violenta dos agentes e, talvez, por um rasgo de ingenuidade, de acharem que confessando estariam a salvo de novas jornadas de tortura. Luiz Neto escapou. Anatália, no frescor de seus 28 anos, 1,58m, bom corpo, bonita para os padrões da época, foi derrubada em uma cama de campanha, numa das salas da Secretaria, e seviciada até a morte. PCBR Prisioneira sofreu sevícia e maus tratos Seu corpo foi entregue a um perito, que faz no laudo emitido, uma descrição, digamos, “olímpica”, do que viu no cadáver da jovem. O torso com equimoses, o pescoço com um sulco de três centímetros, evidenciando a esganadura e, o pior: suas partes pubianas com queimaduras que se estendiam até a altura inicial da coxa. O laudo descreve também hemorragia interna, nos órgãos do tórax e pulmões e conclui que Anatália morreu em decorrência de asfixia mecânica. O delegado adjunto, Amauri Leão Brasil, responsável pela presa naquele dia, viu ali uma boa oportunidade de montar uma explicação que, a seu ver, era verossímil. Descreveu a morte da presa como “suicídio”. Aliás, não foram poucos, na época, a serem “suicidados”. Wladimir Herzog, é o mais emblemático deles, seguido do operário Manoel Fiel Filho e tantos outros que se “jogaram” sob carros pelas ruas das principais capitais do país. Segundo a explicação do adjunto, à imprensa, que cobriu o caso sob censura, a presa teria usado a alça de sua bolsa – curtíssima, por sinal – encontrada presa ao seu pescoço para, em seguida ao pedido feito ao agente Artur Falcão Vizeu, para ir ao banheiro tomar um banho, se matar. O fato se deu às 17h20, no plantão do delegado adjunto. Segundo ele, Anatália foi encontrada morta no banheiro, de onde foi retirada para tentativas de socorro, na presença dos funcionários Genival Ferreira da Silva e Hamilton Alexandrino dos Santos, mas já estava morta. Em uma das fotos feitas pela perícia no local, e contida no seu dossiê, a militante aparece de corpo inteiro, e há a seguinte legenda: “O cadáver jazia sobre uma cama de campanha, que se encontrava no interior do local em que funciona a Secção do Comissariado da Delegacia de Segurança Social da Secretaria de Estado dos Negócios da Segurança Pública de Pernambuco”. Ou seja, muito próximo ao poder do Estado. Em dependências vizinhas à sala do delegado de plantão, e não no banheiro, conforme descreveu o Dr. Delegado. PCBR Foto mostra marcas de esganadura Difícil, hoje, pela exaustiva quantidade de relatos de ex-presos, acreditar que durante sessões de tortura houvesse banho ou qualquer benesse desse tipo concedida aos presos. Ademais, o tempo, (20 minutos, descrito pelo carcereiro) não teria sido suficiente para criar a situação que a levou a falecer naquelas circunstâncias. Seu cadáver não estava atado a ponto nenhum, quando foi encontrado. E custa crer que alguém possa ter usado apenas as mãos para manter o laço da alça da bolsa retesado até alcançar a própria morte. Observando-se uma das fotos tiradas pela perícia, e preservadas entre a documentação do Arquivo Estadual de Pernambuco, vê-se Anatália em posição de defesa, com uma das mãos à frente do corpo e a outra como quem afasta o agressor ou tenta se apoiar na parede. As fotos da região pubiana, porém, não deixam dúvidas. Ali se cometeu do modo mais literal e cruel a chamada “queima de arquivo”. Sua calcinha está descida e atearam fogo às suas partes genitais, numa tentativa grotesca de apagar os vestígios da prática mais comum entre os torturadores, contra as mulheres, na época: o estupro. Para os responsáveis pela prisão e guarda de Anatália, pouco importou que ela já tivesse fornecido e detalhado todas as informações que eles queriam lhe arrancar. Anatália pagou com a vida o preço de ser mulher, jovem, bonita e, “subversiva”, como o aparato policial classificava os militantes de esquerda. No dia 23 de janeiro daquele ano, poucos dias depois do fato, o delegado titular, Redivaldo Oliveira Acioly, corroborou a versão de suicídio engendrada pelo colega Amaruri Leão Brasil, enviando à 7º Circunscrição Juduciária Militar um ofício comunicando o “suicídio” da “subversiva” Anatália Melo Alves, vulgo “Marina”, e dando o caso por encerrado. Luiz Alvez Neto cumpriu pena e foi anistiado. Anatália é nome de escola em Mossoró, e um prontuário amarelecido guardado no Arquivo Estadual de Pernambuco. Lá permanecem, ainda hoje, a sua bolsa de couro marrom, os documentos com nome falso de Maria Lucia dos Santos e as chaves da casa para onde ela jamais voltou. Gota d’água Em setembro de 1967, quando o Partido Comunista Brasileiro (PCB) perpetrou a expulsão de um dos seus mais importantes quadros, Carlos Marighella, outros nomes de peso do partido, tais como Jacob Gorender, Apolônio de Carvalho e Mário Alves, decidiram que era hora de empreender um rompimento e fundar um novo partido. De uma reunião em Niterói, com a presença de trinta membros, entre eles Flávio Koutizii, do Rio Grande do Sul, Hélcio Pereira Fortes, de Minas e Bruno Maranhão, de Pernambuco, saiu o núcleo de fundadores do PCBR. As conversas entre os insatisfeitos com o PCB continuaram e geraram uma fragmentação ainda maior, que deram origem ao PCdoB e à ALN, bem como outras dissidências. Depois de inúmeras discussões que envolveram Maurício Grabois, João Amazonas e demais líderes, em um encontro acontecido em 17 de abril de 1968, num sítio fluminense, situado na Serra da Mantiqueira, a assembleia fundadora do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR) se reuniu para montar o programa do partido. Estiveram presentes cerca de 25 pessoas, entre ex-membros do Comitê Central do PCB e delegados de base de vários Estados. O programa, um texto eclético, se baseou no esboço redigido por Mário Alves que condensou o pensamento das variadas tendências em vigar na época. Sua tentativa foi a de enlaçar a tradição doutrinária marxista, à pressão avassaladora pela luta armada imediata. Sua meta era a revolução popular, destinada a destruir o estado burguês e a conquista de um governo popular revolucionário. Desde abril de1969, o PCBR se ocupou com operações armadas urbanas, essencialmente voltadas para a propaganda revolucionária. O acirramento da repressão no segundo semestre daquele ano obrigou o partido a reforçar sua clandestinidade e lançar operações mais ousadas. No primeiro assalto a banco feito pelo PCBR no Rio, teve início uma série de prisões que atingiram o Comitê Central, levando centenas de militantes para os porões da repressão. Segundo levantamento feito pelo “Brasil: Nunca Mais”, houve 31 processos referentes ao PCBR, somando 400 cidadãos atingidos como réus ou como indiciados nos inquéritos. (O episódio de criação do PCBR está bastante detalhado no livro de Jacob Gorender, Combate nas Trevas, da Editora Ática) As Ligas Camponesas Originalmente surgidas com a organização dos camponeses na Europa durante a Idade Média, no Brasil, as ligas camponesas são conhecidas como a associação de trabalhadores rurais que se iniciou no Engenho Galiléia, no Estado de Pernambuco, em 1955, a partir da reivindicação de caixões para os camponeses mortos. PCBR O deputado e advogado Francisco Julião O movimento ganhou força com a liderança do advogado e deputado pelo Partido Socialista, Francisco Julião, e teve amplitude nacional, empunhando a bandeira pelos direitos à terra e em defesa da Reforma Agrária. Julião aglutinou o movimento em torno do seu nome, conseguindo reunir idealistas, estudantes, alguns intelectuais e projetando-se como presidente de honra das Ligas Camponesas. As primeiras Ligas surgiram no Brasil, em 1945, logo após a redemocratização do país depois da ditadura do presidente Getúlio Vargas. Primeiro, sob a iniciativa e direção do recém-legalizado Partido Comunista Brasileiro (PCB), quando camponeses e trabalhadores rurais se organizaram criando ligas e associações rurais em quase todos os estados do país. Em 1948, no entanto, com a proscrição do PCB as organizações de trabalhadores no Brasil enfrentaram muita dificuldade para manter a mobilização. Entre 1948 e 1954, eram poucas as organizações camponesas que funcionavam e raríssimas as que ainda conservavam o nome de Liga, como a Liga Camponesa da Iputinga, dirigida por José dos Prazeres, um dos líderes do movimento em Pernambuco e localizada no bairro do mesmo nome, na zona oeste da cidade do Recife. Em janeiro de 1955, com a criação da Sociedade Agrícola de Plantadores e Pecuaristas de Pernambuco, a SAPP, localizada no Engenho Galiléia, em Vitória de Santo Antão, (PE) houve o ressurgimento das Ligas Camponesas no Nordeste. A esta altura, as ligas deixaram de ser organizações e passaram a ser um movimento agrário, que contagiou um grande contingente de trabalhadores rurais e também urbanos. Em agosto de 1955, realizou-se no Recife, o Congresso de Salvação do Nordeste, que teve grande importância para o movimento camponês, uma vez que foi a primeira vez no Brasil, que mais de duas mil pessoas, entre autoridades, parlamentares, representantes da indústria, do comércio, de sindicatos, das Ligas Camponesas, profissionais liberais e estudantes, reuniram-se para discutir abertamente os principais problemas socioeconômicos da região. A Comissão de Política da Terra era composta por mais de 200 delegados, em sua maioria, camponeses representantes das Ligas. As Ligas Camponesas expandiram-se para diversos municípios de Pernambuco e também para outros estados brasileiros: na Paraíba, onde o núcleo de Sapé foi um dos mais expressivos e importantes, chegou a congregar mais de dez mil membros. Rio Grande do Norte, Bahia, Rio de Janeiro (na época, estado da Guanabara); Minas Gerais, São Paulo, Paraná, Rio Grande do Sul, Goiás, Mato Grosso, Acre e também no Distrito Federal, Brasília, foram outros pontos onde as Ligas tiveram papel de destaque em defesa dos trabalhadores rurais. Em 1962, foi criado o jornal A Liga, veículo de divulgação do movimento. Com a aprovação do Estatuto do Trabalhador Rural, nesse mesmo ano, muitas Ligas transformaram-se em sindicatos rurais. No final de 1963 o movimento estava concentrado nos estados de Pernambuco e Paraíba e o seu apogeu como organização ocorreu no início de 1964, quando foi criada a Federação das Ligas Camponesas de Pernambuco, da qual faziam parte 40 organizações, com cerca de 40 mil filiados no Estado. Na Paraíba, Rio Grande do Norte, Acre e Distrito Federal (Brasília), onde ainda funcionava o movimento, o número de filiados era de aproximadamente 30 mil, congregando assim as Ligas Camponesas entre 70 e 80 mil pessoas na época. Com o golpe militar de 1964, o movimento foi desarticulado, proscrito, sendo seu principal líder preso e exilado. O movimento funcionou ainda durante algum tempo, através da Organização Política Clandestina, que possuía uma direção nacional formada por assalariados rurais e camponeses, que se infiltraram em sindicatos agrícolas, passando a ajudar presos e perseguidos políticos. Denise Assis é jornalista e escritora.

9 de junho de 2012

A TRANSFORMAÇÃO SOCIAL ATRAVÉS DA CULTURA

A TRANSFORMAÇÃO SOCIAL ATRAVÉS DA CULTURA NÃO É NOTÍCIA NO JORNALISMO IMPRESSO (UM ESTUDO COM O JORNAL A TARDE) Antonio Teófilo de Almeida Resumo: O tratamento da cultura na imprensa tem conquistado cada vez mais espaço nas páginas dos periódicos, bem como na grande mídia em geral, tanto no Brasil quanto na Bahia. A partir de uma análise das publicações relacionadas à cultura no jornal mais lido no Estado baiano pudemos verificar que as referências à cultura contêm características que perpassa programação em caráter de entretenimento, notas de utilidade pública, fala de representantes de instituições públicas, até crítica ou artigo a respeito de uma determinada ação do Estado. A interferência da chamada Economia Criativa ou Economia da Cultura, sobretudo, a partir dos projetos das organizações da sociedade civil, a exemplo dos Pontos de Cultura, não aparece de forma suficiente que dê conta de sua abrangência enquanto uma intervenção de transformação social. Palavras-chave: mídia impressa, transformação social, cultura, políticas públicas. A cada dia que passa, sobretudo, a partir dos últimos dez anos, a Cultura é um tema cada vez mais abordado e solicitado tanto nas dissertações acadêmicas quanto nos programas de governo e, portanto, na elaboração de políticas públicas. Assim, não podemos esquecer-nos de mencionar a dimensão de mercado, de organização do trabalho e da cadeia produtiva da cultura, no que se refere hoje como Economia da Cultura ou Economia Criativa. Em uma estrutura social cada vez mais modificada a partir do potencial desenvolvimento da microeletrônica, dos meios de processamento da informação e da automação industrial, os estratos sociais são afetados diretamente e novas formas de ocupação no meio produtivo e no mundo do trabalho são exigidas, bem como, a reorganização das tradicionais classes sociais e dos movimentos sociais. A presença da força de trabalho braçal vai desaparecendo face ao desenvolvimento do aparato tecnológico e com ela surgem alternativas de comunicação e de difusão cultural, possíveis graças à própria revolução causada por essa tal sociedade informatizada. Já que a imprensa tradicional também é fruto da modernidade e dos seus preceitos de mercado capitalista, os movimentos sociais têm recorrido a instrumentos alternativos de comunicação que desencadeiam novas relações na sociedade e possibilitam duas vias de empoderamento cultural, a saber, a primeira pela crescente capacidade de produção e de difusão das chamadas culturas marginais (seja referentes à dita cultura popular, a culturas étnicas ou a cultura periférica) e, segundo, pelo acesso e intercâmbio de informações e de conhecimento entre culturas distintas ou distantes, territorialmente, ideologicamente, politicamente ou economicamente. Este entrelaçamento da comunicação em uma sociedade informatizada vai atingir o mercado, mas também, o Estado que, estimulado ainda por recomendações em novos tratados internacionais passa a dedicar atenção à cultura nas políticas públicas sociais, a exemplo do quem tem sido feito no recente governo brasileiro, com a re-estruturação do Ministério da Cultura sob o comando do presidente Lula e com a execução de ações como os Pontos de Cultura através do Programa Mais Cultura. Os Pontos de Cultura representam nada mais que o reconhecimento público do Estado e a oferta de estrutura física e financeira, por um determinado período, para grupos organizados da sociedade civil que já desenvolviam experiências com atividades culturais beneficiando direta e indiretamente as esferas marginalizadas da sociedade, como áreas periféricas, de regiões mais pobres ou ligadas a movimentos sociais e de comunidades tradicionais, além do legado das culturas negra e indígena. Sabemos, portanto, não se tratar de novidade alguma que estas ações, ligadas a movimentos sociais organizados ou ao Estado, não apareçam de forma suficiente na imprensa convencional, ou seja, de forma que dê conta da sua abrangência, e quando referidas, são citadas a partir de elementos de questionamento, de críticas ou superficialidade. Porém, não se trata de uma atitude gratuita destes veículos de comunicação que possuem um desempenho de produção similar a qualquer empresa de mercado, ademais, tais ações no campo da cultura são inevitáveis de todo estarem tão invisíveis quando passam a engrossar os cadernos de programação e de crítica cultural na mídia impressa, quando começam a ter presença maior em programações de auditórios, de rádio e TV e, conseqüentemente, quando são absorvidas pela Indústria Cultural na forma de produto de mercado. E para efeito desse estudo, tomamos como base o Estado da Bahia que vive um momento político que demarca um rompimento com o legado deixado durante o período em que esteve sob o comando da direita carlista. Recorremos a uma análise que consideramos qualitativa de matérias publicadas no Jornal A Tarde, com destaque para o período entre os anos de 2008 e de 2009, que correspondem ao núcleo da atual gestão do Estado com o Governador Jaques Wagner e quando foi criada a Secretaria de Cultura do Estado da Bahia, a partir de uma desvinculação da anterior Secretaria de Turismo e Cultura. E a pesar das publicações do Jornal A Tarde terem nos servido para a elaboração deste estudo, por se tratar do jornal impresso de maior circulação no Estado e pelo prestígio que goza de sua história, tradição e contribuição para a veiculação de informação na sociedade baiana, o resultado deste trabalho pode ser considerado, para efeito comparativo, de forma extensiva aos demais veículos da imprensa tradicional e comercial. Entretenimento, crítica artística, notícia na forma de utilidade pública, crítica de setores da sociedade, fala de representantes de órgãos oficiais do Estado permeia as características das publicações na área da cultura no jornalismo impresso, ao que nos estimula a continuar refletindo os limites e o papel da imprensa em nossa sociedade, bem como, a grande dependência que ainda existe da maioria dos indivíduos aos veículos tradicionais de comunicação comercial ao que lhe encarecem o que deve ou não ser noticiado enquanto interesse público. Com a análise das matérias relacionadas à área da cultura publicadas pelo A Tarde, entre 2008 e 2009, coletamos as indicações do que poderíamos relacionar sob a forma de categorias de publicações da cultura na imprensa escrita convencional. Pela falta de aprofundamento necessário em matéria jornalística, gostaria apenas de sugerir, tais categorias, com o simples efeito de facilitar a sistematização destas, quando o assunto é cultura, e a sugestão de uma nova possibilidade da qual sentimos falta, e que tratamos aqui como conteúdo de cultura enquanto fator de transformação social. Alcançamos, ao menos, cinco características básicas que estão presentes nas matérias das publicações estudadas e que elencamos da seguinte forma: 1) Programação de entretenimento e de lazer Refere-se às produções culturais que irão resultar em montagens, espetáculos, mostras, feiras e festivais; artigos de crítica artística; eventos comemorativos, premiações, homenagens, lançamentos, estréias, etc. Ex: MATÉRIA/NOTÍCIA EDITORIA São João de vários estilos no Pelourinho Caderno 2, 20/06/2008, p. 1. Carnaval: Governo e entidades tratam de mudanças para 2009 Salvador, 14/09/2008, p. 9. Parada Gay: Dia de festa e ação política Salvador, 13/09/2008, p. 12. João Ubaldo ganha prêmio Camões Brasil, 24/09/2008, p. 21. Estudantes de todo o País fazem bienal da UNE Salvador, 20/01/2009, p. B1. Bahia Mostra Bahia: Projeto valoriza e ajuda a divulgar a cultura regional Municípios, 31/01/2009, p. 2. Mês de Feiras Criativas no Pelô Caderno 2, 12/09/2009, p. 9. Big Bands: em ano de crise, festival resiste Caderno 2, 20/10/2009, Capa, p. 4 Dia da baiana de acarajé Salvador, 26/11/2009, p. A11. O samba faz farra no Centro da cidade Salvador, 30/11/2009, p. A7. Grupos culturais do interior entram na festa do IX Mercado Caderno 2, 02/12/2009, p. 4 e 5. Festas tradicionais como o Carnaval e Festas Juninas, premiações, inaugurações, festivais, estréias, estão entre os eventos culturais que consideramos no estudo como de entretenimento, festivos e comemorativos. Geralmente, é reservado para essas matérias um espaço com texto e fotos à vontade que ocupam a partir de uma página, chegando a duas, três, quatro páginas, ou até mesmo, a se tornar um suplemento à parte, dedicado exclusivamente ao mesmo evento, a exemplo do Carnaval. 2) Notas de utilidade pública Divulgação de lançamentos de mecanismos de financiamento da cultura, como Editais; inscrição em festivais, seminários, cursos e oficinas; resultado de processos de seleção pública, etc. Ex: MATÉRIA/NOTÍCIA EDITORIA Workshop – Elaboração de Projetos Culturais Caderno 2, 17/07/2008, p. 6 Projetos de fomento à literatura terão apoio Salvador, 22/11/2008, p. A10 Curtas – Apoio – Funceb divulga resultados Caderno 2, 24/01/2009, p. 3 Curtas – Teatro – Oficina gratuita no Morro das Artes Caderno 2, 17/07/2008, p. 6 As notas de utilidade pública relacionadas à cultura no A Tarde são publicadas com uma devida regularidade e não se restringe a ações do governo do Estado. Algumas são mais detalhadas que outras, incluindo maiores informações da natureza das ações, o processo de participação, área de atuação e contatos de acesso. 3) Entrevistas ou informações de representantes e instituições públicas Artigos, entrevistas e depoimentos de representantes e gestores públicos ou de organizações da sociedade civil; Notas Públicas; anúncios e publicações de marketing, etc. Ex: “Vamos zerar os municípios sem biblioteca no Brasil” “Depois de assumir... a direção da pasta que era de Gilberto Gil, Juca Ferreira responde... a algumas perguntas direcionadas a ele por representantes de várias áreas da cena artística e cultural da Bahia” (Entrevista com o Ministro da Cultura, Juca Ferreira, em 14/09/2008) “O cargo de secretário é do governador do Estado” “Márcio Meirelles faz parte de um grupo de artistas que se aventurou pela administração pública, assumindo posições na organização da política cultural do país.” (Entrevista com o Secretário de Cultura da Bahia, Márcio Meirelles, em 08/11/2008) “Fomentar ações em vez de executar” “Diretor de música da Funceb, Gilberto Monte faz avaliação dos dois anos de gestão” (Entrevista com o diretor de Música da Funceb, Gilberto Monte, em 18/11/2008) “Faço as coisas acontecerem” “Não vá chamar Gisele Nussbaumer, 41 – ou pelo seu mais singelo apelido, Gica – de boazinha. O que poderia ser um elogio é para ela quase uma ofensa. (Entrevista com a diretora da Funceb, Gisele Nussbaumer, em 30/11/2008) A fala “autorizada” do Estado, ou a fala dos representantes do Estado pode aparecer de forma direta, como nas entrevistas e em notas públicas de resposta; ou de forma indireta, como nos informes de utilidade pública, anúncios ou suplementos de marketing. A respeito deste último, suplementos de marketing, a Secult elaborou em 2009, juntamente com o Jornal A Tarde, os Cadernos Especiais Cultura em Movimento. A primeira edição, de 18 de janeiro, trouxe matérias divulgando as ações da Secretaria e um balanço da gestão pelo Secretário Márcio Meirelles: “Museu de Arte Moderna se firma como centro multicultural”, p. 3. “Salão da Bahia é vitrine de artistas visuais baianos e de todo o Brasil”, p. 4. “Salões Regionais ampliam espaços para as artes visuais na Bahia”, p. 5. “Audiovisual ganha maior espaço na nova política de comunicação”, p. 6. “Música independente vem se fortalecendo no cenário baiano”, p. 7. “Neojibá ensina a arte da orquestra para crianças e jovens e incentiva intercâmbio cultural com artistas, músicos e regentes de fora do Brasil”, págs. 8 e 9. “Pelourinho Cultural atrai 250 mil visitantes ao Centro Histórico”, p. 10. “Projetos e atrações de peso movimentam ruas do Pelourinho”, p. 11. “Direção do TCA amplia proposta de trabalho e lança novos projetos”, p. 12. “Novos projetos e ampliação dos recursos para a dança na Bahia”, p. 13. “Secretário faz balanço das ações de descentralização da Cultura”, p. 14 e 15. / Página 16 – Anúncio. A edição Cultura em Movimento II, do domingo 05/07/2009, teve enfoque nas ações mais estruturantes das políticas públicas da Secretaria, como os Pontos de Cultura, a formação dos Sistemas Municipais e do Sistema Estadual de Cultura e uma proposta de Lei Orgânica de Cultura para o Estado. As matérias de destaque nesta edição foram as seguintes: “Rede Pontos de Cultura chega a toda Bahia”, p. 3. “Cidadania e desenvolvimento (experiências de Pontos de Cultura) , p.4. “Mapa dos 220 Pontos de Cultura na Bahia”, p. 5. “Lei Orgânica por uma política de Estado para a cultura”, p. 6. “Entenda o que é o Sistema Estadual de Cultura”, p. 7. “Diversidade e desenvolvimento, território a território (representantes territoriais de cultura) , págs. 8, 9 e 10. “A Bahia na tela da TV pública em 26 documentários”, p. 11. “Prefeituras estruturam gestão municipal de Cultura”, p. 12. “Apenas 5,1% dos municípios baianos têm Secretaria de Cultura”, p. 13. “Mais bibliotecas públicas na Bahia”, p. 14. “Patrimônio preservado – Ipac dá inicio a Sistema Estadual de Patrimônio e intensifica ações de salvaguarda”, p. 15 / Página 16 – Anúncio. 4) Artigos e matérias de crítica política Em geral, são artigos publicados por terceiros, em relação ao veículo de comunicação e que podem defender posições diversas, de crítica e questionamento ou de manifestação de louvor à atuação do poder público; colunistas que publicam uma opinião particular; cobertura de repercussão polêmica como manifestações. Ex: A Bahia e o Minc (por Armando Avena, economista) “... o Ministério da Cultura fez muito pouco pela Bahia nesses seis anos...” (Artigo publicado em 12/09/2008) A ilusão da participação (por Damian Hazard, ONG Vida Brasil) “Enquanto não houver participação plena por parte da sociedade civil organizada... permanecerão os mesmos conflitos nas políticas de desenvolvimento”.(Artigo publicado em 21/09/2008) Descentralização da cultura (por Edivaldo Boaventura, escritor) “Uma das marcas da Secretaria de Cultura do Estado (Secult) é a descentralização de ações e programas que antes ficavam concentradas na capital”.(Artigo publicado em 30/01//2009) O balé da agonia (Samuel Celestino, colunista) “A irresponsabilidade sobre o Balé do TCA é tal que a secretaria chega ao ponto de contratar bailarino para realizar projetos que, sequer, sabe fazer coreografia, ou seja, está na linha de incompetência que a única diretriz que a Cultura baiana tem hoje.” (Coluna em 25/01/2009) A questão da cultura (matéria) “Jaques Wagner admite que tem problemas na área da cultura. atribui a raiz da questão a três grupos, os que discordam das políticas implementadas, os que têm problemas objetivos com o governo (como dinheiro a receber) e os que tinham relações com os governos anteriores, as viúvas do carlismo, que tanto rebuliço causaram... Em suma, a gritaria que tanto barulho causa seria fruto dos que perderam o status quo após a derrota do carlismo... No contraponto, estariam os ex-excluídos agora incluídos. Seja como for, o fato objetivo é que de uma forma ou de outra, Márcio está “satanizado”.(Tempo Presente, em 07/07/2009) 5) Cobertura de atividades públicas de discussão ou de ações do poder público Neste ponto estão previstas as matérias relacionadas, principalmente, aos fóruns de diálogo entre poder público e setores da sociedade civil, como os debates das câmaras setoriais de cultura ou as conferências de cultura; plenárias, seminários, congressos, cursos e fóruns diversos, como a Bienal de Cultura da UNE ou o Mercado Cultural; ações que estão vinculados a projetos do governo, como, propostas de intervenção no Pelourinho ou de formação aos municípios para a implementação do Sistema Municipal de Cultura. Ex: Salvador é ponto de partida para série de 30 seminários do Sistema Nacional de Cultura “A edição de Salvador, que segue até amanhã com atividades nos dois turnos, inaugura uma maratona de 30 seminários que devem percorrer todas as capitais do país até o mês de novembro, levando a proposta do ministério para a estruturação do SNC a setores públicos e sociedade”. (Caderno 2, 06/07/2009). Cultura: protesto em conferência “A abertura da 3ª Conferência Estadual de Cultura,ontem à noite, em Ilhéus, teve muito mais de protesto do quê de discussão sobre os rumos da cultura no País. Pequenos agricultores da região aproveitaram a presença do governador Jaques Wagner para cobrar dele uma postura sobre as terras ocupadas pelos índios tupinambás”. (Últimas, 27/11/2009) Nessa relação de características de conteúdo de matérias referentes à cultura há de se considerar o fato de estar havendo uma crescente atenção para o tema nos últimos anos pela imprensa em geral. Uma comparação entre os cadernos de programação cultural dos jornais de hoje e os mesmos cadernos anos atrás na sua origem pode oferecer uma demonstração do quanto houve em ampliação. Se as características atuais de circulação da informação criam novas fontes ou se a política editorial da referida publicação está mais flexível na inclusão de atrações em suas páginas, podem ser variantes que se combinam. Os números que o governo atual apresenta em apoio e promoção da cultura, também se mostram crescentes em relação ao período das gestões anteriores. Sejam quais forem as razões, é notável como a cultura tem ocupado um lugar cada vez mais expressivo nas publicações da mídia impressa, e com recortes cada vez mais variados, como produção, programação, crítica de arte, negócios, tendências, oportunidades e política. Nesse horizonte, o Jornal A Tarde lançou, em 2008, a revista “Muito” que publica todos os domingos, oferecendo recomendações de artes, moda, culinária, saúde, tecnologia, roteiros turísticos, artigos e entrevistas, com ênfase na produção baiana, em 44 páginas, incluindo capa e contracapa. O Brasil viveu um momento da política cultural submetida à ditadura militar, depois viveu a política do neoliberalismo e a cultura como “um bom negócio” quando os departamentos de marketing das empresas e fundações decidiam o destino e a aplicação dos recursos públicos para a cultura, por meio de incentivo fiscal oferecido pelo Minc. Hoje, o Ministério da Cultura defende a cultura como um direito do cidadão, inclusive, com propostas de reforma na legislação brasileira para o setor. Cultura, como um direito de expressão, de produção e de fruição. É aquilo que também se considera atualmente como cidadania cultural. Uma difusão cultural crescente no país tem dado origem tanto a novas produções acadêmicas quanto à criação de novas publicações, como revistas especializadas, agendas de bolso ou sites temáticos. Este já é um sintoma positivo que encontrou na informatização acelerada âncora para a proliferação do campo da cultura. As atividades de produção que passam a se estabelecer mediante a mobilização das capacidades criativas e intelectuais expõem possibilidades, inclusive, de promoção tanto de um conjunto de saberes científicos como de saberes populares. Campanhas internacionais pelo respeito e pela promoção da diversidade cultural se combinam com essas novas experiências e, de forma tímida, mas já em andamento, surgem como uma motivação maior para os empreendimentos das classes populares, sob a colaboração do Estado aberto para os projetos de inclusão social. Em especial, dentro dos modelos recentes de gestão pública com Lula presidente do Brasil e com Wagner governador da Bahia, a inicial abertura para o diálogo com os movimentos organizados da sociedade civil e a assinatura de convênios diretos com os mesmos nas áreas sociais de atenção básica, criam expectativas para uma intervenção nas relações sociais como ações transformadoras da realidade. A qualidade dessas intervenções não é fácil de ser decifrada e solicita recorrer a outros estudos específicos que dêem conta de sua natureza e efetividade. A própria qualidade das organizações sociais envolvidas nesse processo merece uma investigação apropriada, mesmo com a obtenção de um aval do Estado para a execução de seus projetos. Em face destas duas esferas, governo e sociedade civil, aparecem o mercado e, conseqüentemente, a imprensa. A imprensa se propõe a informar a sociedade, em geral. A mídia impressa possui um público específico e muito restrito, sobretudo, na atualidade. Porém, vimos que a imprensa tem um modo “particular” de interpretar o que acontece nesse meio social, de acordo com as condições e tensões a que está submetida. Existe sempre uma perspectiva do acontecimento relatado em uma matéria, porque se trata também de elaboração, montagem e edição. Contudo, a dificuldade de visibilidade das atividades desenvolvidas em ambientes populares e que tem como protagonista instituição da sociedade civil organizada ainda permanece. Raramente vê-se uma matéria sobre as centenas de projetos que se encontram em ação pelo Estado da Bahia, até mesmo aquelas referentes à ONGs, Associações e Instituições tradicionais e bem organizadas, como o Centro de Referência Integral da Criança e do Adolescente – CRIA, a Comunicação Interativa – CIPÓ, o Instituto Casa Via Magia, Fundação Pierre Verger ou Academia de Letras da Bahia, que também se tornaram Pontos de Cultura e que contam com outros apoios nacionais e internacionais, em outros projetos. Dos 220 Pontos de Cultura da Bahia, 47 se encontram na capital e 173 estão distribuídos pelos 26 Territórios de Identidade. Algumas propostas de ação dos Pontos de Cultura estão ligadas à formação artística, audiovisual, filarmônicas, cultura negra e afro-brasileira, cultura indígena, comunicação comunitária, circo, manifestações tradicionais, artesanato, economia solidária e ecologia. Centenas de beneficiados diretos, homens e mulheres de todas as idades produzem outras centenas de atividades culturais neste programa. A economia local aquece, sobretudo, nos municípios menores, como na cidade de Pintadas, que fica situada na região do semi-árido baiano, e através do Ponto de Cultura da Companhia Rheluz, desenvolve um curso profissionalizante de cinema, para 40 pessoas dos 14 municípios que fazem parte do Território de Identidade Bacia do Jacuípe, reunidos quinzenalmente em módulos de formação que vai durar por três anos. Dessa forma, abre-nos uma série de reflexões que entendemos necessárias para melhor compreensão do papel da cultura como agente transformador da realidade social e do papel da imprensa na veiculação dessas informações. Não pretendemos com isso dizer que a imprensa simplesmente nega a existência desse fenômeno de intervenção social da cultura, quando seria necessário investigar junto às redações do jornal as suas impressões a respeito do assunto. Por outro lado, seriam importantes outros estudos que, de forma mais adequada, aferisse a qualidade dessa transformação social da cultura. Estas razões nos dão indícios de que está acontecendo uma transformação da realidade de indivíduos e comunidades, a partir das intervenções no âmbito cultural, que motiva as pessoas lhes devolvendo a dignidade, formando novos cidadãos, que aplicam a arte como mecanismo de libertação, de criatividade, de campanha de paz, de superação de intolerâncias e de preconceito e como forma de emancipação sócio-econômica. Diversas crianças, jovens e adolescentes estão tendo oportunidade de desviar a marginalidade, a violência gratuita, o desemprego e a prostituição. Para nós, estes são elementos que representam o que chamamos aqui de transformação social. Atingimos nosso objetivo, porém, se com este estudo estivermos colaborando para a provocação do debate que pode resultar em diversas possibilidades acerca do verdadeiro papel e limitações da imprensa em nossa sociedade, bem como, do impacto social da cultura. Já que as ações de cultura não são noticiadas na condição de agentes transformadores da condição de indivíduos, esta nossa sociedade em sentido mais amplo por sua vez não tem conhecimento de que elas existam. Apenas os indivíduos que são beneficiados diretamente têm a condição de percebê-las, pois, a imprensa convencional ainda é a fala autorizada comum e principal fonte de informações para o conjunto da maioria das pessoas. A imprensa, por se tratar de um produto do mundo moderno e por fazer parte de um sistema complexo de mercado, a transformação social através da cultura pode lhe passar despercebida ou desinteressante. E a nossa intenção é provocar esse debate: por que essa tal transformação social através da cultura não é notícia? Por que transformação social não é tema para a imprensa tradicional? Devido a uma implicação de contextos e de conjunturas políticas que interferem na postura da imprensa? Ou cultura só tem repercussão e retorno para o mercado e, conseqüentemente, para a mídia, enquanto programa de entretenimento? São algumas das questões que deixamos para reflexão. O presente artigo foi inspirado no trabalho de conclusão de curso do autor em Relações Públicas, de mesmo título, pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB) e que inclui uma provocação para uma possibilidade de contribuição desse profissional de comunicação, o Relações Públicas, junto à Produção Cultural e, conseqüentemente, à Economia Criativa ou à Economia da Cultura. Mediante uma economia que se desenvolve no centro dos processos criativos e intelectuais, surge uma demanda imediata de mobilização de uma série de competências para o aperfeiçoamento profissional de atores para lidar com esse mecanismo de produção emergente. A própria formação de produtores culturais no Brasil é uma novidade e o mercado crescente se direciona a proporções ainda intangíveis. Em 2007, a Economia da Cultura correspondia a 4% dos postos de trabalho formal no país. Considerando que, grande parte dos profissionais de cultura ainda se encontra na informalidade, esse número, depois de dois anos de esforço no sentido da formalização do trabalho, já deve se encontrar bem adiantado. O campo da cultura envolve diversos seguimentos no seu processo de produção e a atividade de comunicação é, sem dúvida alguma, um fator crucial para o seu bom desempenho. Em qualquer seguimento que atue com cultura na sociedade, quer seja no poder público, mercado, instituições, associações, cooperativas, produtoras culturais ou nos movimentos sociais, há espaço para a atuação de um profissional de comunicação com o perfil de um Relações Públicas, na gestão e intermediação de fluxos das informações entre públicos diversos. Precisamos acabar com o estigma de considerar o Relações Públicas apenas como promoters de eventos. Um profissional de Relações Públicas é preparado para planejar, manipular e gerir instrumentos de comunicação, levando-se em conta a otimização, as ações preventivas e a pertinência na aplicação de sua atividade. Além da competência administrativa da comunicação, o Relações Públicas preza pela qualidade política de mediação entre públicos para estabelecer um diálogo franco, seguro e menos conflitante entre si. Portanto, apostamos que essa aliança profissional de Relações Públicas com os produtores, agentes e gestores da cultura, possa ser amadurecida e experimentada, com a devida adequação de cada função na qualidade e no sucesso do trabalho empreendido. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALMEIDA, Antonio Teófilo de. A Transformação social através da cultura não é notícia no jornalismo impresso (um estudo com o jornal A Tarde). Salvador: UNEB, 2009. – (monografia). ALSINA, Miguel Rodrigo. La construcción de la noticia. Barcelona: Paidós, 1996. BARROS, José Márcio. 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