23 de março de 2012

Atestado de óbito

RAFAEL DUARTE
▶ rafaelduarte@novojornal.jor.br

A opinião pública subverteu a lógica nos últimos dias. Na morte do ladrão de carros Julianderson da Silva, as reações do povo chocaram mais que o próprio homicídio. Falo, obviamente, do caso em que o médico Onofre Lopes Júnior mandou bala no sujeito que tentou assaltá-lo, em Lagoa Nova.

Independente do que a Justiça decidir, ninguém há de negar que o que aconteceu, naquela tarde, foi um homicídio. Um homem matou outro. Simples assim. Se foi em legítima defesa cabe ao juiz decidir lá na frente, desde que o delegado não arquive o processo agora. Uma decisão complicada diante da atmosfera que se criou. Mas que deveria se basear apenas nos depoimentos de quem puxou o gatilho oito vezes e das testemunhas que assistiram tudo.

Depois desse caso, este repórter que já andava assustado com o ser humano passou a ter medo. O que li nos jornais e nas redes sociais de sexta-feira para cá tem reforçado um sentimento estranho. Onofre foi alçado à condição de herói porque, segundo o senso-comum, mandou para o quinto dos infernos um bandido que não passa de um Zé Ninguém fodido, um pária da escória da sociedade. Julianderson tinha 30 anos e virou o vilão da novela das 8 que morre no final porque ‘teve o destino que mereceu’.

No afã de justificar o apedrejamento do bandido que virou defunto o Estado foi eleito o co-autor do homicídio. O mais trágico da história, no entanto, é perceber que para os guardiões da moral e dos bons costumes da classe média a culpa do Estado não é pela má formação do sujeito que se tornou bandido. Eles condenam o poder público por falta de competência para manter essa gente presa e longe do tal cidadão de bem.

O episódio que envolveu o médico e o assaltante revela uma realidade cruel. Se a gente parar para pensar um pouco vai ver que, na verdade, não é no Estado que as pessoas não acreditam mais. Esse discursozinho hipócrita de falta de segurança é balela, tudo da boca para fora. O homem não acredita mais é no ser humano. Triste, mas é isso.

Para a opinião pública desse caso, se Julianderson optou pelo crime, se escolheu o errado em vez do certo, que pague com a vida. É a lógica do extermínio: se o governo não tem como mantê-lo longe de nós, então que morra.

Dois dias depois do homício, o Fantástico mostrou uma reportagem espetacular sobre o modus operandi das fraudes em licitações no país. As gravações de empresários ensinando como se faz para roubar dinheiro público chocaram quem viu a matéria. Caso fosse adiante, as licitações forjadas renderiam às quatro empresas citadas algo em torno de R$ 500 milhões somente de um hospital universitário no Rio de Janeiro.

Durante a exibição da reportagem, fiquei com um olho na TV e outro no computador para ver as reações do povo. Quanta diferença. Ninguém chamou o doutor Onofre para nos defender.

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