17 de março de 2021

AS MÃOS LIMPAS. - PEDRO TIERRA

 17 de março de 1973. Brasil. Cidade de S. Paulo. Esquina da Rua Tutóia com Tomás Carvalhal. DOI-CODI do II Exército. Na Cela Forte agoniza Alexandre Vannucchi Leme. Tinha 22 anos. E sonhos que se recusam a morrer.                                       


 AS MÃOS LIMPAS.                    


Sobre a mesa as mãos de um homem:

brancas, limpas, tranquilas.

Mãos de um habitante das cidades.

Por si mesmas não dizem nada.


Acariciam os cabelos do filho,

o rosto da mulher, compram os jornais,

dirigem o automóvel,

estarão suadas ao meio-dia.

Esses afinal, são gestos universais.


Contudo, neste fim de tarde, eu as vejo

exaustas, vazias, manchadas de sangue.

O corpo de Alexandre repousa sem algemas, 

(é pouco mais que um adolescente).

Da boca obstinada não fugiu palavra

e, na morte, seu rosto resplandece.


Daquelas mãos não se dirá:

“Estão marcadas com o sangue dos inocentes”.


Ei-las: lavadas, neutras, polidas cuidadosamente,

prontas a repetir os gestos universais.

Acariciar os cabelos do filho,

o rosto da mulher,


passear pela cidade insuspeitadas.

Ir ao cinema. Levar o cigarro à boca. Confundir-se entre as mãos comuns

dos homens comuns, dessa cidade comum. 


(Pedro Tierra, 1973. Do livro “Poemas do Povo da Noite”)

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