17 de março de 1973. Brasil. Cidade de S. Paulo. Esquina da Rua Tutóia com Tomás Carvalhal. DOI-CODI do II Exército. Na Cela Forte agoniza Alexandre Vannucchi Leme. Tinha 22 anos. E sonhos que se recusam a morrer.
AS MÃOS LIMPAS.
Sobre a mesa as mãos de um homem:
brancas, limpas, tranquilas.
Mãos de um habitante das cidades.
Por si mesmas não dizem nada.
Acariciam os cabelos do filho,
o rosto da mulher, compram os jornais,
dirigem o automóvel,
estarão suadas ao meio-dia.
Esses afinal, são gestos universais.
Contudo, neste fim de tarde, eu as vejo
exaustas, vazias, manchadas de sangue.
O corpo de Alexandre repousa sem algemas,
(é pouco mais que um adolescente).
Da boca obstinada não fugiu palavra
e, na morte, seu rosto resplandece.
Daquelas mãos não se dirá:
“Estão marcadas com o sangue dos inocentes”.
Ei-las: lavadas, neutras, polidas cuidadosamente,
prontas a repetir os gestos universais.
Acariciar os cabelos do filho,
o rosto da mulher,
passear pela cidade insuspeitadas.
Ir ao cinema. Levar o cigarro à boca. Confundir-se entre as mãos comuns
dos homens comuns, dessa cidade comum.
(Pedro Tierra, 1973. Do livro “Poemas do Povo da Noite”)
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