9 de maio de 2010

Gustavo Vidigal

Gustavo Vidigal – Investimento público em cultura
Por Blog Acesso

A pesquisa Presença do Estado no Brasil: federação, suas unidades e municipalidades , lançada em 2009, comprovou aquilo que se intuía: faltam aparelhos culturais públicos em diversos municípios brasileiros. Entre outros aspectos, os indicadores revelam que cerca de 2.953 municípios não contam com espaços públicos de promoção da cultura, como centros culturais e museus. E, por mais que o governo invista em bens e práticas culturais, a distribuição destes ainda é desequilibrada, não contemplando boa parte dos brasileiros, o que também revela o desafio de gerar políticas públicas em um país de proporções continentais.
Dando continuidade à pauta de investimento cultural, que teve início com um mapeamento do setor privado, o blog Acesso entrevistou o Secretário-executivo adjunto do Ministério da Cultura, Gustavo Vidigal, que reflete sobre o investimento público em cultura no Brasil, sua distribuição, meandros e mecanismos de atuação.
Acesso – Foi anunciado que, em 2010, o Fundo Nacional de Cultura (FNC), braço do Procultura, terá mais de R$ 800 milhões para investimento em produção cultural. Como será feita a distribuição deste montante?
Gustavo Vidigal – Para ampliar a eficiência da destinação dos recursos, serão criados oito fundos setoriais além do fundo de audiovisual, já existente, que será incorporado ao FNC. A solução se baseia em experiências como a do Fundeb, do Ministério da Educação, a dos fundos setoriais do Ministério da Ciência e Tecnologia e a do Fundo Setorial do Audiovisual, do MinC. Os novos fundos devem trabalhar o fomento à produção, circulação, formação, gestão pública e empresarial, instalação de equipamentos, crítica, acervos, pensamento e reflexão sobre cada um dos segmentos. Em 2010, o novo Fundo Nacional de Cultura ganha centralidade no fomento, repassando 30% de seus recursos para Estados e municípios, que só poderão investir em cultura e arte.
Acesso – Quanto do investimento em cultura é revertido para a educação e capacitação dos profissionais do setor?
G.V. – Não temos um número exato, mas existe o Programa de Capacitação em Projetos Culturais, que teve início em 2008, promovido pelo Ministério da Cultura, por meio das Secretarias de Fomento e Incentivo à Cultura (Sefic/MinC) e de Políticas Culturais (SPC/MinC), em parceria com o Serviço Social da Indústria (Sesi) e o Instituto Itaú Cultural (IC). O Programa ministra oficinas presenciais, gratuitas, em todas as capitais das regiões Nordeste e Norte, atingindo mais de mil agentes culturais dos setores público e privado. A intenção é qualificar a demanda no setor cultural e difundir conteúdos, práticas e abordagens que ofereçam base para a elaboração de projetos culturais alinhados às políticas públicas e a parcerias e apoios diversificados.
Acesso – Com relação à disseminação de conhecimentos sobre cultura para a população de uma forma geral, há alguma política de investimento estabelecida?
G.V. – O Ministério da Cultura criou nesta gestão a Secretaria da Identidade e da Diversidade Cultural (SID), responsável pelo Programa Identidade e Diversidade Cultural: Brasil Plural, primeiro conjunto de políticas públicas do gênero no País. Seu principal objetivo é garantir a grupos e redes de agentes culturais responsáveis pela imensa diversidade de expressões culturais brasileiras o acesso aos recursos para o desenvolvimento de suas ações.
Acesso – O Ministério tem algum tipo de controle em relação ao orçamento investido?
G.V. – O MinC, como os demais órgãos do Executivo, encaminha anualmente à Controladoria-Geral da União e ao Ministério do Planejamento sua prestação de contas, parte integrante do Balanço Geral da União/Prestação de Contas do Presidente da República.
Acesso –Existem dados consolidados sobre a ampliação do investimento em cultura em cada região do País?
G.V. – Somente a partir de 2003, o orçamento do Ministério da Cultura entra em uma curva estável de crescimento. Antes disso, havia uma oscilação constante nos valores disponibilizados pelo governo federal para financiar as atividades do setor, com uma variação de R$370,8 milhões a R$533,4 milhões, nos anos de 1995 a 2002. Entre 2003 e 2009, o orçamento do MinC começa a evoluir, dentro de uma faixa de R$ 373,9 milhões a R$ 1,2 bilhão. Com recursos da ordem de R$ 2,2 bilhões, o orçamento deste ano, equivale a 1% da arrecadação de impostos da União, principal fonte de recursos do governo federal.
Acesso – De que forma o Procultura pode contribuir para uma distribuição igualitária do investimento entre as regiões brasileiras?
G. V. – Na Lei Procultura são considerados os investimentos que contribuem com regiões ou áreas da cultura que têm recebido pouco ou nenhum auxílio por meio da renúncia fiscal.
Acesso – Qual a importância do Procultura para o processo de democratização cultural?
G.V. – Hoje, além dos incentivos fiscais da Lei Rouanet, os patrocinadores ainda podem lançar, em suas declarações de renda, os custos do projeto cultural como despesa operacional da empresa, obtendo deduções adicionais de cerca de 30% sobre o valor do projeto. No projeto de lei do Procultura, esse mecanismo é mantido, mas os objetivos centrais passam a ser: ampliar os recursos de fomento da área e diversificar os mecanismos de financiamento, de forma a desenvolver uma verdadeira Economia da Cultura no Brasil.
Acesso – Que outros pontos diferenciam o Procultura da Rouanet?
G. V. – Em linhas gerais, as principais novidades são: a renovação do Fundo Nacional de Cultura (FNC), reforçado e dividido em nove fundos setoriais; a diversificação dos mecanismos de financiamento; o estabelecimento de critérios objetivos e transparentes para a avaliação das iniciativas que buscam recursos; o aprofundamento da parceria entre Estado e sociedade civil para a melhor destinação dos recursos públicos; e o estímulo à cooperação federativa, com repasses a fundos estaduais e municipais. A nova lei transforma o Fundo Nacional de Cultura (FNC) no mecanismo central de financiamento ao setor, criando formas mais modernas de fomento a projetos. Garante-se, assim, que os recursos cheguem diretamente aos proponentes, sem intermediários e com maior participação da sociedade, por meio da Comissão Nacional de Incentivo à Cultura (CNIC), que dará origem a comissões setoriais.
Acesso – O senhor poderia explicar o que são esses fundos setoriais?
G. V. – Em 2010, como parte de um processo de transição, o Ministério da Cultura se prepara para a implementação da nova lei. O FNC, por exemplo, recebeu dotação orçamentária recorde, acima de R$ 800 milhões, e fará repasses a fundos estaduais e municipais, impulsionando a cooperação federativa. Dentro do FNC serão criados oito fundos setoriais: das Artes Visuais; das Artes Cênicas; da Música; do Acesso e Diversidade; do Patrimônio e Memória; do Livro, Leitura, Literatura e Humanidades, criado por lei específica; de Ações Transversais e Equalização; e de Incentivo à Inovação do Audiovisual. Eles se somam ao já existente Fundo Setorial do Audiovisual (FSA).
Acesso – O que falta ao Brasil para que seus bens e práticas culturais se tornem sustentáveis?
G.V. – A dimensão econômica da cultura tem sua expressão mais bem definida quando se usa uma teoria de valoração que se aplica primeiramente na teoria econômica, mais especificamente na microeconomia. Quando se atribui valor a um bem cultural, o primeiro passo é distingui-lo entre um caráter potencialmente privado, no qual demanda e oferta se aplicam intrinsecamente; e um caráter público, que gera presença de externalidades na sociedade e sem um preço definido pela lei de mercado. Geralmente, o conteúdo simbólico é fator determinante ao se valorar tais bens. Há, também, a presença de bens mistos, como, por exemplo, a pintura de Van Gogh. Esta pode ser vendida e comprada como um objeto de arte e, ao mesmo tempo, é detentora de conteúdo simbólico na história da arte, gerando externalidades para o público em geral, historiadores, amantes de arte, etc. No que concerne aos bens culturais, o preço não representa um indicador chave no valor econômico. Esta situação complexa é resolvida, nos dias de hoje, de forma simples. É aceitável, por exemplo, o uso de estatísticas de mercado, como o volume transacionado de música, a renda auferida de cinema, o público consumidor, entre outras, para se caracterizar um valor econômico do bem em questão – nem sempre determinado de forma explícita, porém como uma variável aproximada.
Acesso – E quanto aos bens culturais públicos?
G V. – Tratando-se de bens culturais públicos, o uso de procedimentos de medidas econômicas se torna, mais uma vez, possível. Tais bens são providos, na maior parte, pelo governo e têm valor intangível, alcançando um espectro que ultrapassa o lado econômico, gerando externalidades também presentes na esfera social. O aumento da qualidade de vida se faz presente quando o Estado provê tais bens. Um exemplo clássico é a revitalização do patrimônio histórico de uma cidade. Com o passar do tempo, os cidadãos do local cujo patrimônio foi revitalizado começam a usufruir de melhor saneamento, limpeza das ruas, iluminação pública e, condizente a esse processo, melhorias econômicas.
Acesso – Hoje, a economia da cultura representa 5% da economia nacional, mas quem alimenta essa economia é uma pequena parcela da população. Quais os planos do governo para que as regiões em que o investimento cultural é escasso participem do crescimento do PIB da cultura?
G.V. – Creio que isso será possível por intermédio da nova lei de fomento e incentivo à cultura. O desenvolvimento da economia da cultura exige mecanismos diversificados de fomento, diferentes da política de apoio via leis de incentivo fiscal. É preciso formular ações integradas e contínuas que enfrentem os principais gargalos do setor. Implantar uma estratégia para esse setor – envolvendo financiamento, legislação, capacitação e regulação – é um desafio imediato para aproveitar oportunidades geradas pelas novas tecnologias que estão alterando modelos de negócio e formas de acesso a mercados. Esse desafio envolve Estado, entidades setoriais e iniciativa privada e requer a propriedade intelectual, que é, sem dúvida, um dos grandes ativos da Economia da Cultura. Porém, muitos segmentos economicamente dinâmicos, como o das festas populares, não são necessariamente geradores de propriedade intelectual.
Priscila Fernandes e Laís Nitta / blog Acesso

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